
Foto: Sara de Paula, da IMUNE/ Acervo Fundo Brasil
Você já se deparou com uma notícia na TV, ouviu alguém comentar sobre uma amiga que sofreu agressão ou percebeu que uma conhecida passou por situações de abuso ou opressão apenas por ser quem é? Talvez você nem saiba o termo certo, mas qualquer ação ou comportamento que cause dano físico, psicológico, sexual, moral ou patrimonial a alguém justamente por seu gênero ou identidade se enquadra como violência de gênero.
E falar sobre essa violência é encarar uma realidade que ainda marca profundamente nossa sociedade. Mesmo com avanços em políticas públicas e conscientização, o Brasil segue enfrentando índices alarmantes. Em 2024, por exemplo, 1.492 mulheres foram vítimas de feminicídio, o que representa em torno de quatro mortes por dia, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública. No decorrer do texto, abordaremos mais dados sobre o feminicídio no país.
Quando as mulheres são negras, as violências, as negligências e as invisibilidades são ainda maiores. Em 2024, as mulheres negras representavam 63,6% dos casos de feminicídio, enquanto as mulheres brancas corresponderam a 35,7%.
Por trás das estatísticas, há histórias interrompidas, famílias afetadas e uma urgência por mudança. Em um cenário marcado por desigualdades históricas e sociais, a violência se manifesta de diversas formas, e afeta majoritariamente mulheres e pessoas LGBTQIA+, refletindo relações de poder desiguais e normas sociais discriminatórias.
Rita Segato, antropóloga e pesquisadora argentina radicada no Brasil e referência internacional em estudos sobre gênero, violência contra a mulher e direitos humanos, alerta que:
“A violência contra a mulher é atemporal e característica fundamentadora das discussões de gênero no Brasil que ainda seguem por caminhos distantes de resolutividades cabíveis a partir dos reais constructos a serem conceituados e analisados neste universo.”
— Rita Segato, Revista Brasileira de Direito Social, 2021.
Principais formas de violência:
A violência de gênero vai muito além das agressões físicas, ela pode se manifestar de maneiras sutis ou diretas, atingindo corpo, mente, autoestima e autonomia. Entender essas formas é o primeiro passo para identificá-las e enfrentá-las no dia a dia.
Física: envolve qualquer tipo de agressão corporal, como empurrões, tapas, socos ou uso de armas.
Psicológica: inclui humilhações, ameaças, manipulação emocional ou isolamento social. Ainda que não deixe marcas físicas, impacta profundamente a autoestima, a autonomia e o bem-estar da vítima.
Sexual: abrange qualquer ato sexual não consentido, assédio ou exploração. Essa violência fere a integridade e a liberdade da pessoa, afetando sua segurança e dignidade.
Patrimonial: ocorre quando há controle, destruição ou apropriação de bens, dinheiro ou documentos da vítima. Essa forma de violência restringe a autonomia financeira e a capacidade de decisão da pessoa sobre sua própria vida.
Moral: envolve difamação, calúnias ou exposição da vítima de maneira que prejudique sua reputação. Pode ocorrer em ambientes pessoais, profissionais ou públicos, causando isolamento e constrangimento.
Simbólica: manifesta-se através de ataques verbais, agressões virtuais (como divulgação de fotos íntimas ou fake news), além de violência política de gênero, como interrupções constantes em debates, desqualificação em espaços de poder, ou até mesmo casos extremos, como o da vereadora Marielle Franco, assassinada por sua atuação política. Sua trajetória e legado impulsionaram a criação de leis estaduais e do Dia Nacional Marielle Franco para o Enfrentamento da Violência Política de Gênero e Raça, instituído em março de 2023.
Violência de gênero e a Lei Maria da Penha
“A vida começa quando a violência acaba”. A famosa frase do livro ‘Sobrevivi…Posso Contar’, de Maria da Penha, se tornou um lema na luta contra a violência doméstica e de gênero em todo o Brasil, e simboliza o renascimento que só é possível por meio da proteção, da justiça e da consciência coletiva, princípios que inspiraram uma das leis mais importantes do país.
Sancionada em 2006, a Lei Maria da Penha marcou um avanço fundamental no enfrentamento à violência doméstica e de gênero. A legislação definiu os cinco tipos de violência e criou mecanismos de proteção às vítimas, como medidas protetivas de urgência, afastamento do agressor, prisão preventiva e varas especializadas no atendimento a mulheres.
A história por trás da legislação veio da luta pessoal de Maria da Penha, que sobreviveu a duas tentativas de feminicídio cometidas pelo marido. Após anos enfrentando a impunidade e a lentidão da justiça brasileira, Maria transformou sua dor em denúncia e resistência ao lançar o seu livro, relatando as violências sofridas por ela e suas três filhas.
A repercussão da obra mobilizou organizações internacionais, como o Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) e o Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM), que levaram o caso à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, em 1998.
O desfecho veio em 2002, quando o Estado brasileiro foi condenado por omissão e negligência. A decisão forçou o país a reformular suas leis e políticas de enfrentamento à violência doméstica, criando assim a Lei Maria da Penha.
Mas, mesmo após quase duas décadas de sua criação, o Brasil ainda enfrenta enormes desafios para garantir segurança e dignidade às mulheres. Dados do Mapa da Violência de 2025, apontam uma tendência preocupante: os casos de feminicídio continuam crescendo, ainda que de forma gradual. Entre 2020 e 2023, o país registrou 1.355, 1.359, 1.451, 1.449 vítimas, respectivamente. Isso mostra que nos primeiros quatro anos da década atual, o feminicídio cresceu quase 7% no território nacional.
Denunciar é um dever de toda a sociedade
Combater a violência de gênero é um dever de todos, e cada ação conta para construirmos uma sociedade mais equitativa e segura. É imprescindível prosseguirmos na luta por meio da informação, da empatia e de iniciativas concretas.
Mantenha-se informado, apoie causas que defendam a vida e os direitos das mulheres e, acima de tudo, denuncie! Serviços como o 180 – Central de Atendimento à Mulher, delegacias especializadas e organizações não governamentais estão prontos para oferecer amparo a quem precisa ou para quem testemunhar qualquer situação de violência.




























