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Além da lei: a homofobia persiste no Brasil

“A Herança” é uma premiada peça de teatro da Broadway que neste ano de 2023 ganhou uma adaptação no Brasil. Em suas mais de cinco horas de duração, 11 atores LGBTQIA+ retratam gerações da comunidade gay americana, os desafios enfrentados por cada uma delas e o legado de conquistas deixado para aqueles que estão aqui agora e os que estão por vir. A luta por direitos vem de muito tempo, e foi marcada por inúmeros eventos, mas os avanços conquistados são recentes, e ainda existe um longo caminho a se percorrer.

Dentre os momentos mais emblemáticos está a Revolta de Stonewall, de 1969. Há 54 anos a rebelião ocorrida no bar Stonewall Inn, em Nova York, entrou para a história como um importante marco da luta pelos direitos das pessoas LGBTQIA+ quando diversos de seus frequentadores se recusaram a ser presos. A data do evento, 28 de junho, mais tarde ganharia repercussão internacional e passaria a ser conhecida como Dia do Orgulho LGBTQIA+.

Em pleno 2023, as violências vividas por pessoas LGBTQIA+ são estruturais na sociedade em diversos lugares do mundo e, com bastante destaque, no Brasil. Desde a colonização do país, a população brasileira LGBTQIA+ é vítima de inúmeras formas de preconceitos. Por conta desta estrutura LGBTfóbica, o Brasil tem enraizada em sua cultura a segregação e o silenciamento de todos aqueles que não seguem um padrão social que assume a heterossexualidade como norma. Tal padrão social ainda implica que as identidades não-cisgêneras são consideradas anormais, inadequadas ou problemáticas. Essas questões, por sua vez, colocam quem é diferente do que é considerado como regra social em situações de vulnerabilidade. 

Uma constante luta contra o preconceito
Detalhe espantoso é que a violência contra esses grupos sempre ocorreu, porém pouco esforço institucional foi feito para que fosse de fato combatida ou mesmo mensurada. No Brasil, as limitadas conquistas obtidas até hoje no campo dos direitos das pessoas LGBTQIA+ estão atreladas à luta contínua da sociedade civil, de grupos que se organizam para reivindicar cidadania. Assim como Stonewall, a história brasileira registra acontecimentos em que a própria polícia, que existe para proteger os cidadãos, se colocou contra esse segmento da população. É o caso da “Operação Limpeza” promovida pelo então delegado José Wilson Richetti no centro da cidade de São Paulo em 3 de junho de 1980. Na ocasião, foram ordenadas diligências policiais que tinham como objetivo eliminar a população LGBTQIA+ do centro da cidade, mais precisamente da região conhecida como Boca do Lixo, no bairro da Luz. 

A indignação causada pela violência policial resultou em um protesto realizado em 13 de junho, nas escadarias do Teatro Municipal. A manifestação reuniu mil pessoas e foi organizada por um grupo de pessoas LGBTQIA+ com o apoio dos movimentos negro e feminista. Foi a primeira vez na história brasileira que a população se opôs à LGBTfobia. Para muitos, esse é considerado o Stonewall brasileiro. 

Vale lembrar que, ainda que hoje pareça distante, o período dos anos 80 ficou marcado pelo crescimento dos casos de AIDS e HIV, que tomavam constantemente o espaço nos telejornais da época. A então chamada “peste gay”, foi utilizada como uma forma de fomentar o preconceito e justificar a ignorância da população contra a população LGBTQIA+. Mas foi em 1985 que o grupo Triângulo Rosa, do Rio de Janeiro, que prestava apoio às vítimas da doença e trazia esclarecimentos, conseguiu pressionar as autoridades do Conselho Federal de Medicina a retirar a homossexualidade da lista de doenças. Feito realizado anos antes de países europeus e norte americanos.

Números da violência contra pessoas LGBTQIA+
Em 14 de novembro de 2010, a Avenida Paulista, em São Paulo, foi palco de um dos crimes mais repercutidos na imprensa quando o tema é homofobia. Na ocasião, Luís Alberto Betonio foi atingido por quatro jovens com um bastão de lâmpada fluorescente no rosto. O violência foi motivada por homofobia e mesmo passados mais de 10 anos, atos como esse ainda são uma realidade para a população LGBTQIA+.

É o que mostra o mais recente Dossiê de Mortes e Violências contra LGBTI+ no Brasil. Produzido desde 2019, esse levantamento é resultado do esforço conjunto de três organizações: a Acontece Arte e Cultura; a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra); e a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Bissexuais (Abglt). A iniciativa teve o apoio do Fundo Brasil de Direitos Humanos. O estudo aponta que o Brasil ocupa atualmente a primeira posição quando se leva em conta o número de pessoas LGBTQIA+ assassinadas em território nacional. Esta é a conclusão do levantamento, que foi feito com base em notícias publicadas em meios de comunicação e voltou a evidenciar os altos níveis de violência que essas pessoas sofrem no Brasil. Ao todo, só o ano de 2022 contabilizou 273 mortes violentas, sendo esse número composto por 228 homicídios (83,52%), 30 suicídios (10,99%) e 15 outras ocorrências (5,45%). 

Homofobia é crime
É importante destacar o fato de que desde 2019 a homofobia é considerada crime no Brasil. Na prática, a lei enquadra atos de discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero, e, mesmo que a lei utilize o termo “homofobia”, todos as pessoas LGBTQIA+ estão amparadas por ela. Contudo, apesar do surgimento da lei, casos brutais de violência contra esses grupos seguem sendo uma realidade no país, dado o preconceito enraizado na sociedade. 

Estima-se que, de 2000 a 2022, 5.635 pessoas foram vitimadas devido ao preconceito da população e descaso das autoridades pela efetivação de políticas públicas de garantia da segurança de todos e todas. Exemplos desses descasos estão retratados no dossiê “LGBTI+fobia e a Segurança Pública”, idealizado pela DMJRacial.com e pelo Conexão G – Grupo LGBT nas favelas. O documento revela casos que os participantes do estudo já haviam procurado por alguma instituição policial com intuito de registrar uma queixa de abuso sexual, furto, coerção ou agressão e nem mesmo foram atendidos. Em outros casos apontados, há relatos de violações exercidas pelos próprios agentes da polícia. A discussão sobre a atuação dessas instituições se aprofunda quando analisadas particularidades, como a da Baixada Fluminense, onde o poder executivo e instituições policiais são ligadas às comunidades evangélicas, que, por sua vez, intensificam os preconceitos contra as pessoas LGBTQIA+. Segundo o estudo, esse cenário construído a partir da religião reforça o apelo à violência e a omissão de socorro diante dessas pessoas. 

A violência também chega ao digital
Agressões também se espalham pelo ambiente virtual. Em 2022, as ativistas e, na época, vereadoras, Natasha Ferreira e Erika Hilton foram atingidas por diversas ameaças e ofensas transfóbicas por e-mail. E não foram casos isolados.

A organização americana GLAAD apontou em estudo realizado em 2021 que, ao menos, 64% das pessoas LGBTQIA+ sofrem assédio e discursos de ódio nas redes sociais. Já o estudo “Universo Trans” realizado pela Zygon, empresa de marketing digital, apontou que 88,6% das menções referentes a pessoas trans no Twitter são conteúdos sobre transfobia. Casos assim lançam luz sobre os perigos relacionados à saúde mental desse segmento da população que, segundo o Dossiê de Mortes e Violências contra LGBTI+ no Brasil, registrou 18 suicídios em 2022. 

Você pode ajudar a mudar esse cenário
Ainda que muito tenhamos avançado na questão de direitos da população LGBTQIA+, essas conquistas são todas muito recentes, e ainda há muito pelo o que lutar para garantir a proteção e a dignidade dessa comunidade. Os projetos apoiados pelo Fundo Brasil são coordenados por pessoas que já foram vítimas de LGBTfobia e, por isso, desejam um mundo mais seguro e justo para essa população. Mas essa causa só consegue se fortalecer com o apoio de aliados. Conheça os projetos que apoiamos e saiba como você pode ajudar.

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