
Foto: Júlia Chalegre/Acervo Fundo Brasil
As pesquisas mostram que, em tragédias ambientais, alguns grupos têm mais prejuízos do que outros. Durante as enchentes do Rio Grande do Sul em 2024, por exemplo, as mulheres indicaram prejuízos em maior proporção em relação aos homens. Enquanto 22% das mulheres gaúchas entrevistadas informaram que perderam o próprio sustento, 17% dos homens gaúchos informaram o mesmo para o Datafolha.
Em Macapá, capital do Amapá, o acesso à água canalizada ainda é um direito negado para muitas mulheres, segundo levantamento do projeto Amazônia Legal Urbana. Entre as mulheres indígenas, mais da metade (53%) vive sem esse serviço básico. A realidade também é alarmante entre as mulheres pretas (51%) e pardas (48%), evidenciando como o racismo ambiental e a desigualdade de infraestrutura impactam diretamente a vida das populações mais vulnerabilizadas
Seja no extremo Sul ou no extremo Norte do país, a injustiça climática tem rosto, cor e gênero. A população mais afetada são grupos historicamente marginalizados: mulheres, negros, povos indígenas, quilombolas, comunidades periféricas .
Como lembra a plataforma Brasil de Direitos, moradores de favela morrem 15 vezes mais em decorrência de eventos climáticos extremos como secas e inundações, em comparação a pessoas de regiões mais protegidas, segundo o relatório de 2022 do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC).
Portanto, falar de justiça climática é, antes de tudo, reconhecer que a crise climática aprofunda desigualdades. É garantir os direitos de grupos historicamente excluídos e fortalecer seu protagonismo na luta por segurança, equidade e dignidade.
Por que os maiores responsáveis pela crise climática não são os mais afetados por ela?
Quando o assunto é justiça climática, as pessoas mais atingidas por eventos extremos como enchentes, secas, aumento de temperatura, insegurança alimentar, deslizamentos, entre outros, são justamente aquelas que menos contribuem para as alterações mundiais do clima.
Um relatório da Oxfam aponta que, entre 1990 e 2015, os 10% mais ricos da população mundial (cerca de 630 milhões de pessoas) foram responsáveis por mais da metade (52%) das emissões globais de CO₂ no período. Já o 1% mais rico respondeu por 15% das emissões – mais do que o dobro do total emitido pela metade mais pobre da humanidade.
Ou seja, além de ambiental, a crise do clima escancara uma profunda injustiça econômica: enquanto uma minoria concentra riqueza e é responsável por grande parte das emissões, a maioria, especialmente os que vivem em contextos de vulnerabilidade, paga a conta com perdas, sofrimento e falta de acesso a condições básicas de vida.
Justiça climática no Brasil
A justiça climática ainda está caminhando para ser reconhecida como uma pauta prioritária em diversos países do mundo e o mesmo acontece no Brasil.Na nova meta climática (a NDC) apresentada na COP29 no ano de 2024, o país assumiu a justiça climática como parte da sua visão para 2035.
Só no Brasil, segundo dados do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG), do Observatório do Clima, a agropecuária respondeu por 28% das emissões brutas do Brasil em 2023. Somando as emissões por mudança de uso da terra – que envolvem desmatamento, queimadas, entre outras modificações –, a atividade agropecuária representa 74% do total das emissões no país. Ou seja, é preciso debater sobre os modelos de distribuição de terra, produção de alimentos, trabalho e clima – com urgência.
O país se comprometeu a adotar ações climáticas que levem em conta as desigualdades históricas e incluam os grupos mais vulneráveis. Durante o painel “Terra, Trabalho e Clima: Agroecologia e Reforma Agrária por uma Transição Justa”, realizado pelo Labora – Fundo de Apoio ao Trabalho Digno no âmbito da Semana da Ação Climática de Londres, lideranças de trabalhadores rurais destacaram enfaticamente que não há transição justa sem reforma agrária e democratização da terra. Camilo Santana, do MST, afirmou que “um dos pontos fundamentais é reconhecer o papel que têm as populações na proteção e no cuidado com a natureza, sobretudo os povos do campo”. “A política de reforma agrária deve ser pensada nesse sentido amplo, trazendo a agroecologia no centro e o trabalho dos povos tradicionais como fundamento”, completou.
Apesar do avanço no papel, transformar esse compromisso em ação concreta ainda é um desafio. Um bom exemplo disso é o novo Plano Clima, que vai orientar as políticas até 2035. O documento aponta para uma “transição justa” como estratégia importante, mas o sucesso vai depender de como (e se) essas ideias vão sair do papel.
Hoje, a governança climática no Brasil ainda é muito desconectada: falta integração entre quem cuida dos direitos humanos e quem formula as políticas ambientais, e isso acaba dificultando a proteção de quem mais sofre com os efeitos do desmatamento e da agropecuária, as principais fontes de emissões do país. Outro ponto de extrema importância é garantir que a população participe das decisões e tenha acesso claro às informações.
É preciso enfrentar as desigualdades com políticas públicas bem estruturadas, participação social ativa e um olhar que coloque os direitos humanos no centro do debate, para que assim haja uma mitigação dos impactos e uma adaptação para os cenários que nos aguardam em um futuro próximo.