
300 mil mulheres marcham por reparação e bem viver, em Brasília. Foto: Mariana Rodrigues/Acervo Fundo Brasil
Nesta terça-feira (25), Brasília viveu um momento histórico. Sob um céu nublado, o horizonte foi preenchido por vozes fortes, pretas e femininas. A previsão era de chuva moderada o dia inteiro, mas cessou para elas, minutos antes dos trabalhos abrirem.
Mais de 300 mil mulheres negras ocuparam a Esplanada dos Ministérios para reivindicar reparação, bem viver, justiça social e o direito de existir com dignidade.
A Marcha das Mulheres Negras por Reparação e Bem Viver reuniu participantes de todas as regiões do Brasil e de mais de 40 países, confirmando seu lugar como um dos mais potentes atos políticos do movimento negro feminino contemporâneo.
Dez anos depois da Marcha Nacional de 2015, quando 100 mil mulheres negras ocuparam a capital federal impulsionando uma virada histórica no feminismo negro brasileiro, esta segunda edição consolidou um legado, renovou esperança e ampliou perspectivas.
“Marchar agora é reafirmar que a construção de um país democrático passa, necessariamente, pelo protagonismo das mulheres negras quilombolas, indígenas, ribeirinhas, de terreiros, das periferias, das universidades, dos territórios de luta”, afirma Allyne Andrade, diretora executiva do Fundo Brasil.
O Fundo Brasil de Direitos Humanos destinou R$901.868,84 para garantir que 49 organizações e coletivos de mulheres negras de todo o país pudessem participar da construção e chegar à Marcha. São iniciativas que, já apoiadas em editais ativos, receberam recursos extras para fortalecer sua incidência neste momento.
A presença dessas organizações materializa a metodologia de apoio do Fundo Brasil, que vai além do financiamento: promove articulação, mobilização e fortalecimento das redes que sustentam a democracia brasileira.

Equipe do Fundo Brasil acompanha a Marcha das Mulheres Negras, Foto: Acervo Fundo Brasil
“Estamos em marcha junto com as organizações de direitos humanos e com as mulheres negras do país. Acreditamos que a justiça racial e de gênero está no centro da construção da democracia e é essencial para a efetivação dos direitos”, explica Allyne Andrade.
Na Marcha estavam presentes grupos apoiados pelo Fundo Brasil que atuam em pautas fundamentais: enfrentamento ao encarceramento em massa, justiça climática, combate ao racismo religioso, memória e reparação, enfrentamento à violência de gênero, segurança pública, direitos territoriais, justiça criminal e participação política. Entre eles, Amparar (SP), Fórum Popular de Segurança Pública (PE/CE), Coletivo Raiz do Baobá (SP), Rede de Advogadas Negras Yalodês (BA), Justiça Global (RJ), GAJOP (PE), Coletiva Mahin (BA), Agenda Nacional pelo Desencarceramento, Frente Estadual do Ceará, Tocantins, Amazonas e Piauí, Coletivo Entre Elas (PR), entre tantas outras.
Cada uma dessas organizações trouxe suas bandeiras, mas marcharam unidas pela reparação histórica das violências sofridas por mulheres negras e pela construção coletiva do bem viver.
Muitos motivos para marchar

Mulheres de terreiro abrem a Marcha das Mulheres Negras. Foto: Hugo Calixto
“Estamos aqui por memória, reparação, por um país sem encarceramento em massa, sem militarização dos corpos e dos territórios”, disse Caroline do Monte, advogada popular do GAJOP. Para ela, o apoio do Fundo Brasil foi determinante para que essas vozes chegassem à capital: “Não é só apoio financeiro. É acreditar que esse sonho coletivo de outro país é possível.”
Nessa luta se somaram mulheres negras sobreviventes e familiares de pessoas presas, vindas de diferentes estados, representando a Agenda Nacional pelo Desencarceramento e Frentes Estaduais. Célia Marques, mobilizadora da Agenda e articuladora da Frente Estadual do Piauí, falou sobre a urgência de incluir o fim do cárcere nas pautas da Marcha: “Somos mulheres pretas, familiares e sobreviventes do cárcere. É importante trazer essa pauta para a marcha porque nós fazemos a luta das mulheres pretas também encarceradas. A reparação também começa a partir do fim do cárcere. O abolicionismo penal, hoje, é urgente e é uma pauta do movimento negro.”
Ao lado dela, Iza Barros, da Frente Estadual pelo Desencarceramento de Sergipe desabafou: “Majoritariamente, somos mulheres negras que vivenciam o cárcere, seja intra ou extramuros. Precisamos resistir, porque a reparação histórica começa a partir da nossa luta, a luta dos nossos ancestrais e de quem ainda está sob a violência do sistema prisional.”
Sobre o apoio do Fundo Brasil, Iza destacou: “O Fundo Brasil tem sido muito importante dentro da nossa luta, porque nos

Foto: Hugo Calixto/Acervo Fundo Brasil
ajuda a es
tar em alguns espaços, a fazer incidência. A nossa voz tem sido constante nos espaços onde o Estado brasileiro tentou nos silenciar. Mas essas vidas existem e insistem.”
A força política da mobilização ficou evidente na fala de Caliane Nunes, presidente da Rede de Advogadas Negras – Yalodês, organização apoiada pelo Fundo Brasil. “Nós mulheres negras que sustentamos esse país há séculos, estamos aqui nesse momento disruptivo nos reunindo para lutar e reivindicar os nossos direitos, reivindicar o bem viver, reivindicar o lugar das mulheres negras nos espaços de poder, porque é necessário, não é à toa que nós estamos aqui atrás, na frente dessa imagem e quero agradecer imensamente ao Fundo Brasil pelo apoio, porque se não fosse o apoio de vocês, seria impossível essa mobilização estar acontecendo.”
Gláucia Marinho, da Justiça Global, reforçou que somente quando as pautas das mulheres negras forem ouvidas e transformadas em políticas públicas estruturantes haverá justiça social no Brasil. “Com mulheres negras ocupando espaços de poder, combatendo a violência de Estado e o encarceramento, é assim que se constrói um outro país”, afirmou.
Durante a marcha, as participantes se emocionaram e emocionaram outras pessoas com lágrimas, abraços, cantos, rezas e falas fortes e mobilizadoras. A marcha foi cortejo, ato de fé e política. Um movimento que combina ancestralidade e futuro. “Marchar é dizer que estamos vivas, que seguimos re

Foto: Ana Faustino/Acervo Fundo Brasil
sistindo mesmo diante de toda opressão. É manter a memória de quem veio antes, pavimentando os caminhos para que nossos passos chegassem até aqui”, afirmou Lilian Pires, do Coletivo Raízes do Baobá.
A baiana Raimunda Oliveira, da Coletiva Mahin, reforçou o papel transformador dessa união. “Essa mobilização é importante, mas mais importante ainda é a união de todas as mulheres, construindo um mundo novo, um mundo melhor do qual tenhamos os nossos direitos. O Fundo Brasil, a organização que nos apoia, é importante para nós estarmos aqui mostrando que não é apenas o financiador, é quem luta também pelos direitos de todas as mulheres.”
Na área externa do Museu Nacional da República, a Feira das Ganhadeiras e as rodas de conversa acolheram trocas, saberes, histórias e estratégias para o futuro. Os trios elétricos dividiram a mobilização por regiões do país, mas uniram narrativas.
Um manifesto foi lançado durante o ato. O documento atualiza as urgências do movimento em um contexto marcado por retrocessos, desigualdades e impactos climáticos.




























