
Mulheres carregam muda de Baobá durante cerimônia de plantio da árvore. Foto: Revista Etapa e Coletivo Raízes do Baobá Negras e Negros de Jaú-SP
O Coletivo Raízes do Baobá Negras e Negros de Jaú-SP está fazendo história no interior paulista. Com o apoio do Fundo Brasil de Direitos Humanos, o grupo promoveu um movimento de base com forte incidência institucional, que resultou no plantio de uma muda de Baobá. Assim como a árvore, uma nova narrativa passou a ocupar o espaço público da cidade.
O monumento vivo é árvore sagrada de origem africana, símbolo de ancestralidade, sabedoria e resistência. E para a população de Jaú tornou-se também patrimônio material e imaterial do município. Segundo o coletivo, o Baobá carrega o espírito de continuidade e resistência. “É símbolo de força, cura, felicidade e acolhimento. Representa o elo entre o céu e a terra”, explica Kátia Souza, professora e membra orgânica do Coletivo. “Na tradição africana, a árvore simboliza o ‘nós’, não apenas o ‘eu’. Ela remete à nossa mãe terra.”
Para o plantio do baobá foi organizado um ato público, que reuniu mais de 700 pessoas, entre estudantes, lideranças religiosas, autoridades e militantes. Este é o ponto alto de um projeto que vem transformando o modo como a cidade reconhece a história negra. A muda foi doada pelo Espaço Cultural Tainã de Campinas, que tem como liderança o TC Silva.
A organização realizou essas ações dentro do projeto inscrito no edital Enfrentando o Racismo a Partir da Base – 2024 e teve a proposta selecionada pelo Fundo Brasil. Com o apoio o coletivo promove ações de educação antirracista, oficinas culturais e articulação institucional para consolidar a presença negra na cidade e, assim, enfrentar o racismo estrutural e religioso que historicamente marginalizou a população em Jaú durante muitas décadas. O município é conhecido como um dos pólos do agronegócio paulista, fundado por cafeicultores escravocratas.
O local escolhido para o plantio não foi por acaso. A Praça do Museu Municipal abriga objetos ligados ao período escravocrata. “Queremos transformar aquele espaço num memorial vivo da presença e da luta do povo negro jauense”, afirma a representante do coletivo. “O Baobá foi plantado para que Jaú nunca mais se esqueça das vidas negras que ajudaram a construir essa cidade, mesmo apagadas dos livros e monumentos. Era preciso ressignificar esse espaço”.
O coletivo também teve o apoio das Secretarias Municipais de Educação, de Igualdade Racial, de Cultura, de Meio Ambiente e de Comunicação. Também teve o auxílio do Comitê Cultural do MinC de São Paulo, da Defensoria Pública de Jaú, e do Núcleo de Promoção da Igualdade Racial e de Defesa dos Povos e Comunidades Tradicionais da Defensoria Pública de SP – NUPIR.
O Baobá é agora parte da Rota dos Baobás, iniciativa internacional que promove plantios dessa árvore em homenagem à ancestralidade africana.

Baobá recebe as bênçãos de mulheres de terreiro. Foto: Revista Etapa e Coletivo Raízes do Baobá Negras e Negros de Jaú-SP
Reescrever o futuro com ensino da Cultura Afro
A herança escravocrata de Jaú ainda vive nas ruas, nas estruturas fundiárias e nas desigualdades da cidade. Foi nesse território, marcado pela exclusão e pela resistência, que o Coletivo Raízes do Baobá nasceu. E é nesse mesmo chão que agora se planta a educação antirracista.
O grupo já realizou 11 oficinas culturais em escolas municipais, com atividades que abordaram a cultura afro-brasileira por meio de capoeira, bonecas abayomi, turbantes e fotografia afrocentrada. Ao todo, participaram 790 crianças e adolescentes, de 6 a 15 anos, que também estiveram presentes na cerimônia do plantio.
Como resultado, os estudantes criaram a exposição fotográfica “Dudu Funfun — Retratos de Inocência e Diversidade”, com 47 retratos produzidos por fotógrafos profissionais, inspirados na iniciativa.
“Foi a primeira vez que as crianças participaram ativamente de algo assim. Elas formaram um corredor de boas-vindas para o Baobá, cantaram cantigas afro, fizeram oferendas simbólicas. Isso muda vidas. Isso é revolução”, diz Kátia.

Foto: Revista Etapa e Coletivo Raízes do Baobá Negras e Negros de Jaú-SP
Por todo o trabalho que o Coletivo Raízes do Baobá Negras e Negros de Jaú está desenvolvendo, a Secretaria Municipal de Educação aprovou a implementação do projeto-piloto de Educação das Relações Étnico-Raciais (ERER), com base nas Leis 10.639/03 e 11.645/08, que tornam obrigatório o ensino da história e cultura africana, afro-brasileira e indígena nas escolas.
O projeto-piloto de educação antirracista já está em curso nas escolas municipais. As primeiras aulas experimentais do primeiro semestre foram aplicadas para alunos do Ensino Fundamental II. A partir de agosto, novas séries vão participar do projeto-piloto. “É lindo ver as crianças curiosas, perguntando, se reconhecendo na história. Elas falam com orgulho que são negras, que têm cabelo crespo, que têm ancestralidade. Isso não tem preço”, conta a professora.
História de resistência coletiva: do silêncio ao reconhecimento
O Coletivo Raízes do Baobá surgiu em 2016 e é o único movimento negro organizado da cidade. Liderado principalmente por mulheres negras e de terreiro, tem em Maria Benedita Pires a inspiração para as ações. Ela faleceu em 2018. “Biju foi e é nossa matriarca, cofundadora mais velha, nossa griot. Ela criou 12 filhos e sempre esteve à frente de todas as ações, nos orientou, auxiliou nas tomadas de decisão e é nossa força e resistência”, diz Kátia emocionada.
O grupo enfrentou perseguições e ataques racistas e religiosos em 2023, o que levou a uma pausa nas ações públicas.
“Fomos ameaçadas por sermos negras, de candomblé e militantes. Chegamos a adoecer. Pensamos em parar. Mas quando fomos contempladas pelo edital do Fundo Brasil, sentimos que era possível voltar. Era a luz no fim do túnel”, conta a educadora.

Maria Benedita Pires, dona Biju, cofundandora do Coletivo Raízes do Baobá Negras e Negros de Jaú-SP. Foto: Coletivo Raízes do Baobá Negras e Negros Jaú-SP
Com o projeto, o coletivo fortaleceu articulações com secretarias municipais, Defensoria Pública, conselhos e outras entidades. Outros resultados são a rede nacional de mobilização por memória negra e a participação em eventos nacionais e internacionais de promoção da igualdade racial.
A mobilização também fortaleceu o coletivo em diferentes frentes políticas. Uma das membras foi eleita presidenta do Conselho Municipal da Comunidade Negra de Jaú, e o grupo passou a participar ativamente de conferências estaduais e nacionais. Todas as propostas apresentadas na V Conferência Regional de Igualdade Racial foram aprovadas, e o coletivo agora integra a delegação que irá à conferência estadual, em São Paulo.
O reconhecimento internacional também chegou. Uma integrante do grupo foi convidada para representar o coletivo no 9º Congresso Pan-Africano, que será realizado em dezembro, no Togo. “A presença do Raízes do Baobá em um evento dessa magnitude evidencia o alcance das ações realizadas e a potência da organização”. O coletivo já iniciou a articulação para uma segunda etapa do projeto, com novos parceiros e mais atividades educativas. “O que está em jogo é mais do que um projeto. É a disputa por memória, por presença e por futuro.”
Apoio do Fundo Brasil impulsiona o Baobá

Coletivo Raízes do Baobá Negras e Negros Jaú-SP
O projeto Raízes do Baobá, apoiado pelo edital Enfrentando o Racismo, foi essencial para garantir também o fortalecimento institucional, com a contratação de equipe, compra de materiais, produção de conteúdo digital e autonomia nas ações estratégicas.
“Antes, tudo era no improviso. Pela primeira vez conseguimos valorizar o trabalho de quem sempre esteve conosco de forma voluntária. Isso gera pertencimento, autoestima e potência. Somos muito gratas ao Fundo Brasil por tudo o que vem sendo possível realizar com esse apoio”, afirma a liderança.
Com as ações, o coletivo estima ter alcançado 1.780 pessoas diretamente e mais de 10 mil indiretamente. Os números incluem estudantes, visitantes da exposição, participantes da cerimônia do Baobá, público das oficinas, além de famílias e redes impactadas nas redes sociais e na mídia espontânea gerada pelo projeto.
“Ter esse apoio nos tirou da invisibilidade. Agora somos vistas, respeitadas. E a cidade sabe que o movimento negro existe, tem projeto, tem método e tem futuro.”