Num cenário em que apenas 1% (US$ 100 milhões) dos US$ 10 bilhões destinados anualmente pela filantropia internacional à agenda de mitigação climática aterrissam no Brasil, o II Fórum de Finanças Climáticas e de Natureza (FFCN) dedicou uma de suas rodas de conversa ao papel da filantropia no financiamento climático. O fórum foi realizado nos dias 26 e 27 de maio, no Rio de Janeiro, como um dos eventos preparatórios para a COP 30, em novembro, em Belém (PA).

Ana Valéria Araújo, diretora executiva do Fundo Brasil, durante participação no II Fórum de Finanças Climáticas e de Natureza (FFCN)
Na mesa “O papel da filantropia como catalisadora da ação climática e do financiamento climático”, a diretora executiva do Fundo Brasil de Direitos Humanos, Ana Valéria Araújo, trouxe à tona a experiência de fundos e fundações independentes em fazer esses recursos chegarem às iniciativas das bases da sociedade brasileira, que impactam diretamente os territórios e comunidades.
“Em todo momento fala-se da dificuldade de fazer os recursos efetivamente chegarem à ponta. Pois o Fundo Brasil, bem como os demais fundos da Rede Comuá, estão há bastante tempo fazendo justamente isso”, destacou.
A Rede reúne fundações e fundos locais, territoriais e comunitários independentes, que doam recursos para apoiar grupos, coletivos, movimentos e organizações da sociedade civil que atuam nos campos da justiça social, socioambiental, direitos humanos e desenvolvimento comunitário.
Ana Valéria destacou o volume expressivo de recursos direcionados à sociedade civil organizada pelo Fundo Brasil. “Temos um trabalho expressivo em termos de canalização de recursos. O Fundo Brasil de Direitos Humanos já colocou mais de R$ 100 milhões na ponta, em todo o território nacional, dando autonomia para que essas comunidades, esses grupos, construam suas próprias soluções e avancem”, disse.
Segundo Ana Valéria, a Rede Comuá mobiliza uma filantropia colaborativa. “Os fundos da Rede Comuá se complementam em suas atuações, dentro das suas especificidades, de forma que tenhamos interseccionalidade e possamos pensar em justiça climática a partir dos diversos vieses que o assunto exige. Hoje, somos atores relevantes nessa filantropia diversa. Temos feito uma série de parcerias com a filantropia local e internacional, e é fundamental fortalecê-las para dar escala ao trabalho e multiplicar os recursos que chegam às nossas comunidades”, avaliou a diretora executiva, que é especializada em Direito Internacional, em direitos dos povos indígenas e na defesa dos direitos socioambientais, e foi diretora executiva da Rainforest Foundation, em Nova York.
A roda de conversa mais quente e concorrida do segundo dia do FFCN – evento que se posicionou como um dos “ensaios finais” para a conferência anual das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, a COP 30 – também teve a participação de agentes do poder público, da iniciativa privada, do terceiro setor, da academia e de organizações internacionais. A diversidade de pontos de vista foi potencializada pela liberdade garantida pela adoção das regras da Chatham House, que permitem que participantes compartilhem informações e dados sem que estes sejam atribuídos a eles.
A roda abordou diretamente a dificuldade de tornar a agenda climática uma prioridade para doadores privados de países no Norte Global, posto que apenas 2% do total dos recursos filantrópicos no mundo são alocados às questões do clima – esse percentual vem crescendo, mas tem como principais destinatários os Estados Unidos e a Europa. O desafio de aumentar a escala da destinação de recursos filantrópicos privados internacionais a iniciativas de adaptação às mudanças climáticas que já estão em curso no Brasil, desenvolvidas por povos e comunidades locais, foi outro dos pontos debatidos.
O incentivo à alocação de recursos filantrópicos a fundo perdido e à construção da imagem da filantropia como um bom negócio – capital catalisador que “destrava” outros bolsos, ou seja, incentiva empresas a correrem riscos para somar esforços – motivou as demais intervenções.