
Valmir Macedo, Silvana Bastos, Ana Valéria Araújo, Jaqueline dos Santos, Joan Jamisolamin, Adela Guerrero e Aline de Souza Nascimento, durante painel n’A Casa Sul Global. Foto: Fadia Mufarrej – Ventos Do Norte.
Nesta quarta-feira (18), n’A Casa Sul Global, em meio à COP 30, em Belém (PA), organizações do Brasil, América Latina, Ásia e Amazônia Legal defenderam que a transição ecológica justa passa pelo fortalecimento de iniciativas comunitárias de agroecologia e agrofloresta, lideradas por povos tradicionais, agricultores familiares, mulheres e juventudes rurais.
Práticas que já protegem biomas, geram renda e garantem soberania alimentar, mas seguem pouco reconhecidas nos mecanismos de financiamento climático.
As reflexões ocorreram durante o painel “Construindo uma transição ecológica justa: financiamento de iniciativas de agroecologia avançadas para trabalhadores e comunidades locais”, promovido pelo Labora – Fundo de Apoio ao Trabalho Digno, do Fundo Brasil, em parceria com a Louds Foundation, Fundação Ford e Open Society.
A mediação foi conduzida por Ana Valéria Araújo, diretora executiva do Fundo Brasil, que destacou a urgência do tema: “No Brasil, 74% das emissões estão ligadas ao uso da terra e à agropecuária. Discutir transição ecológica é discutir produção, terra, trabalho e clima”. Para ela, “fortalecer experiências comunitárias significa reconhecer que as soluções já existem nos territórios, produzidas por quem vive, cuida e protege a terra”.
Monocultura ameaça água e vida
Valmir Macedo, diretor executivo do Centro de Agricultura Alternativa Vicente Nica (CAV), alertou para os impactos da monocultura no Vale do Jequitinhonha (MG), sobretudo na disponibilidade de água. Segundo ele, cerca de 90% das nascentes desapareceram em seu município com a expansão de empreendimentos como o eucalipto. “Isso significa que estamos secando o que mantém a vida. A monocultura não só troca biodiversidade por um único produto, como esgota as fontes de água”, afirmou.
Ele defendeu a agroecologia como resposta concreta: “A agroecologia é, ao mesmo tempo, produção, regeneração e sobrevivência”.
Potência produtiva dos territórios

Ana Valéria Araújo, diretora executiva do Fundo Brasil, mediando o painel sobre transição ecológica justa. Foto: Fadia Mufarrej – Ventos Do Norte.
Silvana Bastos, assessora técnica do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), destacou que os povos e comunidades tradicionais conhecem cerca de 20 mil espécies e manejam pelo menos 4 mil delas, enquanto o modelo monocultor se baseia em apenas sete a nove espécies cultivadas. “Esses territórios têm uma capacidade de produção muito maior do que reconhecemos. Se já manejam 4 mil espécies, por que isso não está nos nossos pratos?”, questionou.
A assessora reforçou que, ao discutir os territórios, eles não podem ser vistos apenas como paisagens produtivas ecológicas e sociais, provedoras de bens e serviços. Segundo
ela, “esses lugares são, sobretudo, territórios de vida: espaços de cultura, de cooperação, de alegria, de aprendizagens fundamentais para construirmos políticas públicas melhores e para fazermos uma COP melhor.” São essas paisagens vivas que sustentam a base necessária para que a agroecologia realmente floresça.
Provas de que a agroecologia funciona
Jaqueline dos Santos, da Cúpula dos Povos e da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), apresentou dados inéditos sobre mais de 500 experiências de agroecologia no país. “Essas experiências mostram que a agroecologia funciona. E mais: ela já está protegendo biomas, alimentando comunidades e sustentando economias locais. O que falta não é evidência, é reconhecimento”, afirmou.
Ela ressaltou que não há falta de escala, mas invisibilidade: “Não é que a agroecologia não tenha escala. Ela não está nos dados. Mas quando entra nos dados, ela mostra que consegue alimentar o país”. E concluiu: “Não se trata de inventar a roda, mas de fortalecer as rodas que já estão girando nos territórios”.
Financiamento e o protagonismo Comunitário
Representando o Sandana Institute, no Sudeste Asiático, Joan Jamisolamin compartilhou experiências de com

Foto: Fadia Mufarrej – Ventos Do Norte.
unidades indígenas que associam agroecologia à soberania alimentar e permanência nos territórios. Para Joan, “as comunidades não chegam com as mãos vazias. Elas já trazem sementes, sistemas de produção, soberania alimentar. O financiamento precisa reconhecer e fortalecer isso”.
Famílias, sementes e autonomia para agir
Da Nicarágua, Adela Guerrero, coordenadora nacional do Grupo de Promoção da Agricultura Ecológica (REPAE) e Fundo Terra Viva, falou sobre os efeitos de secas, furacões e falta de acesso a recursos. Informou que a rede reúne 35 mil famílias e mantém 50 bancos de sementes.
“A agroecologia não é só um método de produção. É um processo integral que envolve pessoas, saberes locais, família, meio ambiente e ecossistemas”, afirmou. Ela defendeu recursos maiores, diretos e desburocratizados: “Quando o financiamento chega, muitas vezes já é tarde ou atende poucas comunidades”.
Comunidades como agentes de decisão
Aline de Souza Nascimento, educadora do Fundo DEMA, ressaltou que a agroecologia é anterior ao conceito e está nos modos de vida amazônicos. “A floresta é uma escola que ensina a viver, não apenas a sobreviver”, disse. Segundo Aline, escutar significa reconhecer que as comunidades “já fazem, já sabem e já transformam”.
A educadora destacou o protagonismo comunitário na gestão de recursos: “As comunidades não são beneficiárias, são agentes de decisão”. E reforçou a necessidade de romper práticas colonialistas: “Quando o recurso chega sem escuta e sem diálogo, transforma as comunidades em objeto. E nós estamos falando de sujeitos”.
O encontro sinalizou que iniciativas comunitárias de agroecologia, já responsáveis por proteger biomas, garantir soberania alimentar e enfrentar eventos climáticos extremos, precisam ganhar escala e visibilidade. Para os participantes, reconhecer essas práticas como parte central das estratégias climáticas é um passo essencial para alinhar justiça ambiental, econômica e social.
O Labora
O Labora – Fundo de Apoio ao Trabalho Digno existe para impulsionar coletivos, sindicatos e organizações comprometidas com a promoção do trabalho digno, da proteção social e da transição ecológica justa.
O programa apoia ações que defendem os direitos de trabalhadores rurais e urbanos, povos e comunidades tradicionais, juventudes, mulheres, migrantes e outros grupos vulnerabilizados, especialmente aqueles diretamente afetados pela crise climática, pela precarização do trabalho e por violações de direitos.
“Em três anos, o Labora já apoiou mais de 250 iniciativas, destinando cerca de R$4 milhões a projetos de agroecologia, justiça socioambiental e fortalecimento comunitário”, informou Ana Valéria Araújo.




























