A convite da Rede Mulheres de Comunidades Tradicionais (RMCT), o Labora – Fundo de Apoio ao Trabalho Digno participou do I Seminário Alagoano de Combate ao Trabalho Análogo à Escravidão. O evento foi realizado em 18 de julho, no auditório do Ministério Público Federal (MPF/AL), em Maceió, e contou com a presença de representantes de diversas comunidades quilombolas, movimentos sociais, da sociedade civil e do poder público, como a Fundação Cultural Palmares, secretarias municipais e estaduais.
O seminário integra as ações do projeto Òmnira Liberdade, uma iniciativa da RMCT que conta com o apoio do Labora através do Edital Fortalecendo Trabalhadores Informais na Luta por Direitos 2024. Em sua saudação no evento, a coordenadora financeira do Labora, Dayana Souza, destacou a importância da atuação da RMCT em mobilizar as instituições públicas para o cumprimento da legislação de combate e prevenção ao trabalho análogo à escravidão.
O painel “Trabalho análogo à escravidão contemporânea no Brasil e em Alagoas”, mediado pela liderança quilombola Madalena Aquino, do Quilombo Paus Pretos (Monteirópolis), contou com a participação do frei Xavier Plassat (Comissão Pastoral da Terra – CPT/Tocantins), da procuradora da República Juliana Câmara, e da procuradora do Trabalho, Marcela Dória.
Frei Xavier Plassat (CPT/Tocantins) iniciou sua fala a partir da repercussão do caso de Sônia Maria de Jesus, mulher negra e surda submetida por mais de 40 anos a condições análogas à escravidão, que foi resgatada da casa de um desembargador e, após uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), retornou à casa dos investigados. Frei Xavier enfatizou o trabalho que a CPT tem denunciado a decisão na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, e afirmou: “Esse crime é intolerável. E parece uma história sem fim que o Brasil tem há séculos.”
Ele destacou que, desde 1995, a CPT registrou “5 mil casos de trabalho escravo envolvendo 109 mil pessoas” e enalteceu o recorde de fiscalizações realizadas entre 2022 e o presente, apesar da redução em 40% do efetivo de auditores. “Foram fiscalizados 3.935 desses casos […] 68.9 mil pessoas foram encontradas em situação de trabalho escravo e 64 mil delas foram resgatadas […] Em nenhum outro período, desde 1995, havia sido alcançado um número maior de estabelecimentos fiscalizados, como entre 2022 e hoje. Os fiscais do trabalho merecem nossos parabéns.”
Na sequência, Juliana Câmara, que representa o Ministério Público Federal (MPF) na Comissão Estadual para a Erradicação do Trabalho Escravo (Coetrae – AL), discorreu sobre o papel das organizações e o panorama do problema em Alagoas. A discussão prosseguiu com Marcela Dória (MPT/AL), que abordou o tema a partir do Protocolo para Prevenir, Suprimir e Punir o Tráfico de Pessoas, em especial Mulheres e Crianças, também conhecido como “Protocolo de Palermo”, um tratado internacional que visa combater o tráfico de pessoas por meio de medidas para a prevenção, repressão e punição do tráfico, além de proteção e assistência às vítimas.
Com o tema “Trabalho análogo à escravidão nos quilombos alagoanos”, o segundo painel foi mediado pela estudante de Pedagogia Quilombola, Naiane Marques. O debate contou com as apresentações de Elis Lopes Garcia, cientista social e coordenadora-geral do projeto, Mônica Carvalho, assistente social e socióloga, e Madalena Aquino.
O evento foi concluído com o lançamento da Cartilha Digital Òmnira Liberdade, que marca o encerramento da primeira etapa do projeto. O material explica, em linguagem acessível, o que é o trabalho análogo à escravidão, detalha formas de prevenção e indica os órgãos competentes para o recebimento de denúncias. Em breve a cartilha estará disponível no site do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC).
A publicação é resultado de oficinas realizadas em sete comunidades quilombolas, utilizando uma abordagem artístico-pedagógica a partir da exibição do filme “Pureza” (2022), que guiou os debates. Foi em uma dessas oficinas, no Quilombo Baixio, que surgiu a expressão “viúvas de maridos vivos”. O termo revela a dor de mulheres quilombolas que se veem sozinhas após os homens da comunidade migrarem, forçados pela fome, para trabalhos análogos à escravidão em fazendas no Sul e Sudeste. Nesse contexto, muitas mulheres assumem a liderança dos quilombos e se organizam para resgatar familiares.
Para saber mais sobre o Seminário, confira a matéria produzida pelo G1 Alagoas.

Seminário em Alagoas debate o combate ao trabalho análogo à escravidão e ao tráfico de pessoas. Créditos: social mídia do Projeto Òmnira.
Projeto Òmìnira Liberdade
A Rede de Mulheres de Comunidades Tradicionais (RMCT) é organizada em torno da luta por direitos aos povos tradicionais, pela preservação dos modos de vida e pela demarcação de territórios indígenas e quilombolas. Liderada por mulheres quilombolas, de terreiro, ciganas e indígenas, a Rede é uma das organizações que compõem a Fiscalização Preventiva Integrada (FPI) — coordenada pelo Ministério Público do Estado com Ministério Público Federal e o Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco. A FPI envolve dezenas de órgãos públicos que fiscalizam a Bacia do Rio São Francisco, organizados em 13 equipes. A rede participa da Equipe 10, que tem como objetivo levantar informações sobre políticas públicas que estejam chegando nas comunidades.
O projeto Òmìnira Liberdade, apoiado pelo Labora, surge a partir das denúncias de condições de trabalho precárias e clandestinas vivenciadas por comunidades quilombolas visitadas pela Equipe 10. Tendo o Marco Regulatório de Combate À Escravidão (norma reguladora n. 31, de 2005) como ferramenta de articulação e incidência, o projeto se propõe a mobilizar trabalhadoras e trabalhadores do campo para combater o trabalho precarizado e análogo a escravidão, e dar encaminhamento às denúncias.
Durante os meses de junho a dezembro de 2024, a Rede incidiu e articulou por políticas públicas efetivas junto a diversas instituições e órgãos públicos. Como encaminhamentos para a segunda etapa do projeto, a RMCT pretende organizar a II Reunião Geral da Rede de Apoio Òmìnira, planejar e realizar oficinas em outros territórios quilombolas da Bacia do Rio São Francisco, divulgar a cartilha audiovisual em combate ao trabalho análogo à escravidão, e focar na proposição e no fortalecimento de redes municipais de combate ao trabalho escravo junto às gestões municipais.