Entre os dias 9 e 12 de setembro, o Fundo Brasil de Direitos Humanos realizou o Seminário Labora & Raízes em Recife, reunindo mais de 100 grupos, entre coletivos, movimentos sociais, sindicatos, associações, povos e comunidades que defendem os direitos humanos no país. A base para realização deste encontro foi o edital conjunto Fortalecendo Soluções de Povos Indígenas, Comunidades Tradicionais e Trabalhadores (as) rumo à Justiça Climática e à Transição Justa, onde duas iniciativas especiais da fundação – o Raízes — Fundo de Justiça Climática para Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais e o Labora — Fundo de Apoio ao Trabalho Digno – se uniram para alavancar esforços na inclusão de forma significativa das vozes e soluções de organizações da sociedade civil rumo ao bem viver.
“O tema do nosso seminário é focado na justiça climática, por isso foi importante para nós escolher Recife, escolher Pernambuco como a casa para esse encontro. A gente sabe que Recife é uma cidade que está vulnerável aos grandes eventos climáticos que tem, infelizmente, afetado a vida do povo brasileiro e, ao mesmo tempo, tem uma sociedade civil muito viva, organizada e contribuindo para soluções dessa crise. Então, estar aqui e ser recebida pelas organizações, movimentos, sindicatos, associações que atuam aqui a tanto tempo, é uma oportunidade de aprender como esse tecido social, essas organizações já estão propondo alternativas e soluções para a saída dessa crise”, explica Amanda Camargo, coordenadora de projetos do Labora.
Nos primeiros dias (9 e 10), o encontro foi direcionado para as organizações apoiadas, com oficinas e dinâmicas que dessem espaço de troca e diálogo. Logo no início do seminário, as pessoas foram divididas em grupos para que refletissem sobre suas expectativas, impressões e opiniões sobre o evento. Essa divisão dos grupos de acompanhamento seguiu durante os quatro dias.
Na manhã do dia 10, a Conectas Direitos Humanos realizou uma oficina sobre incidência, pensando na adaptação de medidas diante da crise climática. Os mesmos grupos foram apresentados a uma estratégia de incidência que os provocou a criar objetivos, analisar contextos, comunicar, buscar parcerias e produzir conhecimento sobre suas lutas. “A gente trouxe a ideia de como montar um plano de incidência e de como a gente pode trabalhar para incidir desde o plano macro até o plano micro. Foi ótimo receber o retorno das organizações e saber que vamos conseguir ajudá-las a aprimorar o trabalho maravilhoso que elas já vêm fazendo”, conta Fernanda Drummond, assessora do programa de Defesa dos Direitos Socioambientais da Conectas.
E você, sabe o que é incidência ou advocacy? Conforme Fernanda explicou na oficina, a palavra advocacy pode remeter ao termo advogar, pensando numa ação jurídica, mas nem sempre essa é a forma de atuação de quem está fazendo a incidência. É mais simples pensar na pressão adotada por um coletivo no processo de formulação, implementação e avaliação de políticas públicas e na aprovação de leis, buscando aprimorá-las. Toda organização da sociedade civil que tenha seus objetivos voltados ao interesse público e à mudança social pode fazer incidência e, provavelmente, já faz. Em 2021, a Conectas organizou junto da Missão Paz, com apoio da Laudes Foundation e produção da Entremeios, a publicação “Advocacy na prática”, que reúne aprendizados de anos de trabalho da sociedade civil no campo da incidência, especialmente na área dos direitos humanos, migração e refúgio.
Luá Belli, presidenTRA da Rede Inclusivah!, apoiada no edital Fortalecendo Trabalhadores Informais na Luta por Direitos, falou sobre a participação na oficina. “Foi importante para gente reconstruir e construir saberes e aprender com nossos colegas. A maioria das pessoas tinha essa necessidade de troca de experiência e acho que isso é o que está acontecendo por aqui. Na dinâmica, podemos conhecer melhor espaços e trajetórias de pessoas que estão conosco mais profundamente, seus projetos e seus motivos de luta”. A Inclusivah! começou suas atividades em 2022 e atua no Rio Grande do Norte com letramentos em instituições públicas e privadas, e desenvolve intervenções em saúde, com foco na população trans, travesti e pessoas negras.
Visões rurais e urbanas sobre mudanças climáticas
No período da tarde, os participantes foram separados em dois grupos para conversar sobre mudanças climáticas na ótica rural e na urbana. Dentro da área de projetos do Fundo Brasil, o Raízes tem como enfoque central a justiça climática para povos indígenas e comunidades tradicionais. Assim, levar uma oficina sobre mudanças climáticas ao seminário conectou os impactos da crise sentidos pelas organizações ao espaço de troca, fortalecimento e articulação do encontro. A Terra de Direitos deu a oficina voltada para a abordagem rural do tema.
“O convite à Terra de Direitos para conduzir a oficina foi pensado a partir da sólida trajetória da organização na defesa e na efetivação de direitos, especialmente os econômicos, sociais, culturais e ambientais. A escolha buscou somar a expertise técnica e jurídica da organização à vivência e ao conhecimento dos grupos participantes, criando um espaço formativo que dialoga tanto com os desafios concretos enfrentados nos territórios quanto com estratégias de incidência mais amplas no campo da justiça climática”, disse Thainá Mamede, assessora de projetos do Raízes.
As assessoras jurídicas da Terra de Direitos Jaqueline Andrade e Selma Corrêa começaram a conversa ouvindo depoimentos a partir da pergunta: as mudanças climáticas já chegaram nos territórios? Luciene Tavares, da Organização de Mulheres Negras Caiana, foi uma das lideranças que respondeu.
“Quando eu era criança, eu já sabia quando iria chover, hoje isso não é mais possível. Meu quilombo vive uma série de violências fundamentadas no racismo ambiental, o território é isolado da cidade, e quando chove a estrada fica lamacenta, impedindo o acesso às políticas públicas de educação, de saúde. Estamos no brejo paraibano, mas não encontramos mais hoje em dia água no território. A nossa voz precisa ser ouvida porque somos nós que estamos no território e sofrendo com as mudanças climáticas”, relata Luciene.
Jaqueline e Selma trouxeram a ideia de desproporcionalidade, onde quem está contribuindo para manter a preservação ambiental é quem menos está recebendo políticas públicas e/ou climáticas, nomeando esse acontecido como uma injustiça climática. Territórios não demarcados ficam ameaçados juridicamente, sem nenhum respaldo na luta pela terra. Em uma projeção da Terra de Direitos, levará cerca de 3 mil anos para que todos os quilombos no Brasil sejam titulados, caso o processo de titulação se mantenha nos mesmos parâmetros dos dias de hoje.
Simultaneamente a conversa sobre experiências rurais de mudanças climáticas, o Instituto Pólis fez a oficina sobre visões urbanas da mesma problemática. Cássia Caneco, diretora executiva do Instituto Pólis, e Sarah Esli, assessora de projetos, distribuíram tarjetas entre os participantes para entender a rotina de trabalho das pessoas. “Começamos falando com as trabalhadoras e trabalhadores, o que a gente sente na pele? Como que a gente percebe no nosso próprio corpo as mudanças climáticas na jornada de trabalho? Falamos sobre essa jornada em si: como é sair de casa, estar no trabalho, voltar para casa e tudo que acontece fora dessa jornada de trabalho”, explicou Sarah.
Novamente em grupos, foi dado tempo para conversar e ouvir vivências em diferentes cidades brasileiras. Matheus Rodrigues, do coletivo Palmares Laboratório-Ação, mora em Belém, cidade que sediará a COP 30 em novembro. “Temos uma preocupação com os alagamentos no geral, acho que envolve muito sair de casa, chegar no seu trabalho, e ao mesmo tempo quando você volta para casa, ainda tem o risco de alagamento. Quando a gente falou de trabalho, a gente falou muito sobre calor extremo, mas vinculado muito ao estresse térmico, isso acaba afetando o nosso físico, afetando o nosso mental e afetando nossa sociabilidade com as outras pessoas. Porque, querendo ou não, a gente é humano e quando estamos com estresse, a gente não quer falar com as pessoas e isso afeta o nosso lugar de trabalho”.
A oficina do Instituto Pólis teve como objetivo a construção de um manifesto de trabalhadores urbanos e como eles são afetados pelo clima. “Não adianta a gente ficar apenas nas atividades, nas ações que são individuais se elas não virarem políticas públicas, elas precisam virar políticas públicas para que água seja um direito, para que o trabalho digno seja um direito em seu exercício pleno, do momento que a gente sai de casa até o momento em que a gente retorna para casa e pode permanecer nesta casa. Então, a gente conseguiu entender com as trabalhadoras e trabalhadores essas dimensões da jornada e vamos construir tudo isso em um manifesto – que em breve a gente espera poder compartilhar com vocês”, finaliza Sarah.
Veja a galeria abaixo com os registros das oficinas, realizados pelos fotógrafos Arthur de Souza e Túlio Seabra, da produtora Negritando: