Entre os dias 9 e 12 de setembro, o Fundo Brasil de Direitos Humanos realizou o Seminário Labora & Raízes, em Recife, onde reuniu mais de 100 grupos da sociedade civil organizada que defendem os direitos humanos no país. O Labora — Fundo de Apoio ao Trabalho Digno e o Raízes — Fundo de Justiça Climática para Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais, duas iniciativas do Fundo Brasil, se uniram para alavancar esforços de organizações da sociedade civil rumo ao bem viver. Ao unificar as agendas do Labora e do Raízes, ficou nítido o posicionamento do Fundo Brasil de que a luta por trabalho digno e por justiça climática são indissociáveis.
Para Ana Valéria Araújo, Diretora Executiva do Fundo Brasil, o Seminário é, também, um momento importante de escuta para aprimorar cada vez mais o trabalho da Fundação. “O Fundo Brasil existe para mobilizar recursos, em especial recursos financeiros, para colocar nas mãos das organizações que estão fazendo a defesa de direitos nos diversos temas com os quais a gente trabalha. E para fazer isso bem feito a gente precisa ouvir de vocês onde é mais prioritário colocar recurso, quais os temas que ninguém está apoiando, e é neste tipo de evento – para além de debater, trocar, e aprender uns com os outros – que podemos perceber diretamente de vocês o que precisamos fazer”, enfatizou ela.
Nos dias 11 e 12, o encontro foi aberto para a sociedade civil organizada, representantes do poder público e pesquisadores interessados em levantar e debater temas importantes para diferentes categorias de trabalhadores informais e precarizados e para diferentes comunidades tradicionais e povos indígenas que estiveram juntas neste espaço de formação.
Os debates destacaram a urgência da ação coletiva para enfrentar a crise socioambiental, posicionando o trabalho digno como um elemento central dessa discussão. Segundo os participantes, essa luta se materializa em ações concretas, como a demarcação de terras, o incentivo à agroecologia, a criação de redes de solidariedade — a exemplo das cozinhas solidárias — e a busca por melhores condições laborais. O encontro reforçou a necessidade de atuar em rede para avançar nessas pautas de forma integrada. Confira mais detalhes sobre os painéis e assista aos debates na íntegra acessando o canal do Fundo Brasil no YouTube.
Impactos das mudanças climáticas nas possibilidades de vida e trabalho digno

Da esquerda para direita: Cristina Amorim (Nordeste Potência), Luana Alves (Secretaria Nacional de Periferias do Ministério das Cidades), Lurdes Santin (MTD), Elisa Urbano Ramos Pankararu (APOINME), Antonio Mendes (CONAQ), Ana Cristina (MST), Guilherme Borges (Rede de Povos de Comunidades Tradicionais) e Denise Ferreira (Fundação Laudes). Foto: Arthur de Souza / Acervo Fundo Brasil.
O painel “Impactos das mudanças climáticas nas possibilidades de vida e trabalho digno”, realizado no dia 11 de setembro de 2025, durante a manhã, foi mediado por Denise Ferreira, representante da Fundação Laudes e parte do Comitê Gestor do Labora. Entre as pessoas convidadas para o debate, estavam: Elisa Urbano Ramos (Pankararu), da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME); Guilherme Borges, da Rede de Povos de Comunidades Tradicionais; Lurdes Santin, do Movimento dos Trabalhadores por Direitos (MTD); Antonio Mendes, da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ); Cristina Amorim, da Nordeste Potência; Ana Cristina, do Movimento de Trabalhadores(as) Rurais Sem Terra (MST); e Luana Alves, da Secretaria Nacional de Periferias do Ministério das Cidades.
A mesa de debate abordou os impactos já observados da crise climática nos diversos modos de vida, principalmente os indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais. A APOINME compartilhou como tem se organizado para participar ativamente da construção de soluções para o cenário atual, relacionando a luta por justiça socioambiental à demarcação e titulação de territórios indígenas. No contexto quilombola, a CONAQ afirmou que, apesar de terem avançado no reconhecimento legal dos seus saberes e modos de vida, o acesso a políticas públicas ainda precisa ser efetivado e que a autoregularização fundiária tem sido uma estratégia para garantir o acesso ao território. Paralela à essa luta, a CONAQ tem realizado o resgate de sua cultura ancestral, seus modos de colheita e às sementes crioulas, importantes na preservação da sociobiodiversidade. Já a Rede de Povos de Comunidades Tradicionais reconhece dois marcos importantes que uniram as comunidades tradicionais ameaçadas: a elaboração do Decreto nº 6.040, lá em 2005, e intitulada em 2007 como a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (PNPT), e o Decreto nº 8750, de 2016, que Institui o Conselho Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais.
O MST apresentou iniciativas como o Plano Nacional “Plantar Árvores, Produzir Alimentos Saudáveis”, que visa plantar 100 milhões de árvores até 2030 para promover a agroecologia. Já o MTD ressaltou a importância de aparelhos coletivos nas periferias, como os Pontos Populares de Trabalho e as cozinhas solidárias, que buscam organizar politicamente trabalhadores precarizados de diferentes categorias e realidades sociais.
A Secretaria Nacional de Periferias, por sua vez, evidenciou como as mudanças climáticas afetam diretamente os trabalhadores urbanos, a partir do conceito de racismo ambiental. Por fim, o Nordeste Potência trouxe para o debate as oportunidades de participação da sociedade civil e as propostas dos movimentos sociais para uma transição energética justa, que respeite a autonomia e os modos de vida das comunidades locais.
Assista o painel na íntegra aqui.
Trabalho em rede e alianças intersetoriais rumo ao bem-viver

Da esquerda para direita: Rivane Arantes (SOS Corpo), Gisella Lima (ANTRA), Darci Frigo (Terra de Direitos), Jandyra Uehara (CUT), Douglas Belchior (Coalizão Negra por Direitos), Milton Rezende (Plebiscito Popular), Luciana Mendonça (MTSD). Foto: Arthur de Souza / Acervo Fundo Brasil.
Ainda na quinta-feira, durante a tarde, ocorreu o painel “Trabalho em rede e alianças intersetoriais rumo ao bem-viver”, mediado por Rivane Arantes, da SOS Corpo – Instituto Feminista para a Democracia. Estiveram presentes no debate: Jandyra Uehara, da Secretaria de Direitos Humanos da Central Única dos Trabalhadores (CUT); Milton Rezende, do Plebiscito Popular; Gisella Lima, da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA); Luciana Mendonça, do Movimento de Trabalhadores(as) Sem Direitos (MTSD); Douglas Belchior, da Coalizão Negra por Direitos; e Darci Frigo, da Terra de Direitos.
Um dos pontos da conversa foi a necessidade de ampliar o escopo de atuação dos movimentos. A experiência da Secretaria de Direitos Humanos da CUT foi citada como exemplo, ao buscar aproximar o movimento sindical de agendas que, embora não sejam tradicionalmente centrais nas pautas sindicais, são fundamentais para a defesa da democracia, da justiça social e da justiça climática.
A questão da representatividade em espaços de decisão globais sobre a agenda climática também foi levantada. A Coalizão Negra por Direitos destacou que somente em 2021, durante a COP26, houve uma participação significativa de organizações do movimento negro. Nesse fórum, assim como lideranças indígenas, o movimento antirracista pautou o debate sobre o genocídio de suas populações como um efeito direto da crise climática, demonstrando um esforço contínuo na construção de coalizões contra múltiplas violações de direitos.
A interseccionalidade das lutas foi outro tema de destaque. A ANTRA ressaltou que a população LGBTQIAPN+ é diversa e composta por trabalhadores, negros, indígenas e quilombolas. Segundo a associação, os movimentos sociais têm se articulado para influenciar políticas públicas e garantir condições dignas de vida e trabalho para todos.
A importância da articulação entre movimentos sociais de base foi abordada pelo MTSD, que inaugurou, recentemente, a primeira Base de Apoio e Solidariedade à Economia Popular (BASE) em São Paulo, em parceria com a Cozinha Solidária da Sé, do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST). A BASE é um espaço permanente de apoio, construído coletivamente por e para entregadores, motoristas de aplicativo e outros profissionais informais, que oferece refeições, suporte jurídico e psicossocial, e capacitação para organização e mobilização.
Por fim, a organização Terra de Direitos explicou sua abordagem multifacetada, que atua na intersecção entre movimentos de base e as esferas públicas. A entidade busca equilibrar o trabalho direto nas comunidades com a incidência política e o litígio estratégico, fortalecendo a defesa dos direitos territoriais de povos indígenas e comunidades tradicionais.
Uma urna do Plebiscito Popular esteve disponível durante o dia para votação voluntária sobre duas pautas centrais para justiça social: o fim da escala 6×1, visando a redução da jornada de trabalho sem corte salarial, e a reforma do imposto de renda, com isenção para salários de até R$ 5 mil e aumento da alíquota para quem ganha acima de R$ 50 mil mensais. A iniciativa busca ouvir a população e pressionar por mudanças, sendo organizada por uma frente ampla de movimentos sociais, sindicatos e partidos progressistas, muitos dos quais apoiados pelo Labora, como Dieese, CUT, SOS Corpo e MST. Como resultado da mobilização popular, a Câmara dos Deputados aprovou por unanimidade o Projeto de Lei 1087/25, que pauta a isenção do Imposto de Renda (IR) proposta no Plebiscito, na quarta-feira, dia 1º de outubro.
Assista o painel na íntegra aqui.
Mutirão de Trabalhadores, Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais rumo à COP30

Da esquerda para direita: Eliomar Tukano (APIAM), Rosalina Amorim (CUT), Eunice Guedes (Cúpula dos Povos), Ciro Brito (ISA), Larissa Amorim (Casa Fluminense), Ana Valéria Araújo (Fundo Brasil) e Hilário de Moraes (Malungu). Foto: Arthur de Souza / Acervo Fundo Brasil.
E como parte do encerramento do Seminário, na sexta-feira pela manhã aconteceu o “Mutirão de Trabalhadores, Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais rumo à COP30”, com a mediação de Ana Valéria Araújo, Diretora Executiva do Fundo Brasil de Direitos Humanos. Foram convidadas/os para compor o painel: Adriana Marcolino, do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE); Ciro Brito, do Instituto Socioambiental (ISA); Eliomar Tukano, da Articulação dos Povos Indígenas do Amazonas (APIAM); Eunice Guedes, da Cúpula dos Povos; Hilário de Moraes, da Coordenação das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Pará (Malungu); Larissa Amorim, da Casa Fluminense; Rosalina Amorim, da Secretaria de Meio Ambiente da Central Única dos Trabalhadores (CUT); e de forma remota Sineia do Vale, líder indígena Wapichana, e Enviada Especial da COP30 para Povos Indígenas.
O momento também contou com as saudações das ativistas e ex-conselheiras do Fundo Brasil, Jurema Werneck, Diretora Executiva da Anistia Internacional Brasil e Enviada Especial para Igualdade Racial e Periferias, e Denise Dora, advogada de direitos humanos, ativista feminista e Enviada Especial para Direitos Humanos e Transição Justa.
Proposto como parte da agenda oficial que antecede a COP30, o mutirão reuniu representantes de movimentos sociais, sindicatos, poder público e filantropia para um diálogo estratégico. O objetivo foi articular prioridades e ações coletivas para influenciar as negociações globais a partir de perspectivas locais e de base comunitária.
O encontro se mostrou estratégico para que as demandas por trabalho digno, pela proteção de territórios e de defensores dos direitos humanos se tornem pautas concretas na agenda climática global, na construção de um futuro onde as condições dignas de trabalho e vida sejam o centro de ações, políticas e transformações. Além das propostas, os participantes também apontaram denúncias sobre graves violações de direitos humanos que vêm ocorrendo em Belém sob a justificativa de preparar a cidade para a conferência internacional.
Como encaminhamento, foi feito um chamado à participação na Cúpula dos Povos, o espaço por excelência da sociedade civil durante a COP. Tendo sua agenda reconhecida na programação oficial, a Cúpula funciona como um contraponto fundamental às negociações dos Estados, permitindo que movimentos sociais e comunidades da linha de frente apresentem suas próprias soluções e exerçam pressão direta por um acordo climático que seja verdadeiramente justo e eficaz.