Uma transição energética justa precisa contar com trabalhadores do campo e comunidades tradicionais no centro dos debates e das decisões. Esta foi a mensagem central do painel “Terra, Trabalho e Clima: Agroecologia e Reforma Agrária por uma Transição Justa”, que aconteceu na última sexta-feira (27), em Londres, no Reino Unido.
O evento foi promovido pelo Labora – Fundo de Apoio ao Trabalho Digno no âmbito da London Climate Action Week (Semana da Ação Climática de Londres). O Labora é uma iniciativa do Fundo Brasil de Direitos Humanos que tem como objetivo fortalecer organizações de trabalhadoras e trabalhadores, sobretudo das categorias mais precarizadas, na luta por trabalho digno, garantias sociais e transição justa.
O painel foi mediado pela diretora executiva do Fundo Brasil, Ana Valéria Araújo. Contou com as participações de Camilo Augusto Santana, da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST); Oliver Gordon, escritor e pesquisador do JUST Stories – um projeto global de narrativas do Instituto para Direitos Humanos e Empresas (IHRB) focado em Transição Justa; Nick Robins, presidente do Laboratório de Financiamento em Transição Justa, da Escola de Economia de Londres (LSE); e, por videoconferência, María Leonor Yonda, vice-presidente da Coordenadoria Nacional Agrária (CNA) da Colômbia.

Nick Robins, Camilo Augusto Santana, Ana Valéria Araújo e Nick Robins durante a Semana do Clima de Londres. Foto: Diego Silveira/Acervo Fundo Brasil.
Além da conversa fundamental, o evento também ofereceu ao público que compareceu presencialmente, na sede do Sindicato Vozes Unidas do Mundo em Londres, petiscos preparados com ingredientes da reforma agrária, levados na mala diretamente do Brasil. E, ainda, uma exposição fotográfica com imagens feitas por fotógrafas e fotógrafos dos movimentos sociais brasileiros do campo, das águas e das florestas, que compõem o acervo do Fundo Brasil.
As duas lideranças de trabalhadores rurais destacaram enfaticamente que não há transição justa sem reforma agrária e democratização da terra. Camilo Santana, do MST, trouxe a perspectiva brasileira ao afirmar que “um dos pontos fundamentais é reconhecer o papel que têm as populações na proteção e no cuidado com a natureza, sobretudo os povos do campo”.
“Não há como avançar na resolução dos problemas ambientais sem avançar na questão da reforma agrária”, disse Camilo. “A política de reforma agrária deve ser pensada nesse sentido amplo, trazendo a agroecologia no centro e o trabalho dos povos tradicionais como fundamento”, completou.
Leonor Yonda trouxe o ponto de vista colombiano, que, segundo ela, é similar ao brasileiro. “Na Colômbia houve reforma agrária, mas de caráter neoliberal, não geraram políticas para o campesinato. Então nós dizemos que para avançar nisso é necessário uma verdadeira democratização da terra.”
Leonor ainda destacou a importância de ocupar espaços de decisão: “Reformas trabalhistas, previdenciárias, de saúde, de educação sempre foram dominadas por quem não permite nada para a classe trabalhadora. Para nós é importante a participação do campesinato na política”, adicionou.

María Leonor Yonda (videoconferência), Camilo Augusto Santana, Nick Robins, Nick Robins e Ana Valéria Araújo durante a Semana do Clima de Londres. Foto: Diego Silveira/Acervo Fundo Brasil.
As falas dos ativistas ecoaram na participação final de Nick Robins, que analisou que “há um risco de que a transição justa seja cooptada e esvaziada de sentido.” Nick apontou que o debate foi positivo para entender que é por meio da ação local, dos movimentos de base, que se enche a transição de sentido.
A partir dos relatos e de suas experiências ouvindo comunidades afetadas pela crise climática, Oliver Gordon reforçou o entendimento. “É um ponto chave fazer com que essas comunidades tenham voz em como você desenha essa transição. No fim do dia, as pessoas que vão dizer se aquela transição é justa ou não são as comunidades.’
Perspectivas para a COP 30
Com a proximidade da COP 30, que ocorre em novembro, em Belém, a conferência também teve espaço no debate por meio da reflexão de quais as pautas prioritárias para se levar ao fórum, além de como fazer com que as pessoas mais afetadas pelas mudanças climáticas sejam ouvidas. Camilo Santana reforçou que a reforma agrária pautada na agroecologia precisa estar lado a lado com a transição energética nas discussões e propostas.
Para Nick Robins, “a COP 30 é uma oportunidade para encher a transição justa de sentido de novo, escutando movimentos sociais, nas bases”. Por outro lado, Oliver Gordon apontou que mais relevante do que os grandes espaços multilaterais de decisão, é preciso que as pessoas comuns pressionem por uma verdadeira transição justa no dia a dia.
Por sua vez, Leonor Yonda apontou os modos de produção e desenvolvimento sustentável como inegociáveis. “Para nós, ao chegar à COP é necessário que haja um compromisso dessas políticas. Como articular tudo isso para ter um planeta que siga resistindo?”, questionou. “Não está no dinheiro a solução, está nos nossos modos de vida.”
A diretora executiva do Fundo Brasil de Direitos Humanos trouxe o papel da fundação no debate e nas ações relacionadas à transição justa. “A gente investe em mobilização”, contou Ana Valéria, explicando que vem sendo financiada a participação de movimentos sociais, povos indígenas e quilombolas em processos preparatórios. “Porque é nos processos preparatórios que você pode de alguma maneira influenciar aquilo que vai ser feito nos fóruns oficiais”.
Ela também destacou a Cúpula dos Povos – que vai acontecer paralelamente à COP em Belém com muita visibilidade – e é majoritariamente formada por movimentos sociais. “E isso faz a diferença. Fundos como o nosso estão trabalhando para que a gente possa garantir vozes para os movimentos sociais e com isso conseguir que a pauta não seja sequestrada.”
Financiamento da transição energética justa
O debate central sobre financiamento climático também teve destaque no painel. Oliver Gordon trouxe o caso das mulheres que trabalham na extração de sal em Gujarat, na Índia, e o trabalho desenvolvido em parceria com a Sewa UK e a Corporação Financeira Internacional (IFC). Lá, criou-se um modelo baseado em financiamento pelo fornecedor, subsídios de capital e empréstimos de baixo custo que tem se mostrado bem sucedido nos aspectos econômico, social e ambiental.
“Tem sido muito transformador para elas como uma comunidade. Mas além disso, [este modelo] é incrivelmente escalável. É um modelo que funciona em outros cenários também”, declarou o jornalista.
O professor Nick Robins falou sobre as diversas fontes de financiamento que incluem bancos comerciais, bancos de desenvolvimento, fundos de pensão e fundos comunitários. “Podemos falar de todos esses tipos de financiamento, mas como esses financiamentos diferentes se juntam? Você não precisa de um tipo de financiamento, mas de muitos tipos”, explicou.

Fotos: Diego Silveira/Acervo Fundo Brasil.
Com a experiência filantrópica, Ana Valéria Araújo afirmou que é preciso pensar em como democratizar ainda mais o acesso aos recursos do financiamento climático. Nesse sentido, a experiência da filantropia, sobretudo da filantropia independente feita no Sul Global é fundamental para fazer avançarem as ações nessa região do planeta. “A gente sabe que a filantropia é muito eficiente em fazer os recursos chegarem às comunidades. É uma parceria fundamental dos grandes mecanismos de financiamento, para tornar esses mecanismos realmente efetivos”
A London Climate Action Week reuniu cerca de 45 mil pessoas de diversos países em mais de 700 eventos presenciais e online. Os encontros aconteceram entre os dias 21 e 29 de junho.
As fotos são do Diego Silveira, para o acervo do Fundo Brasil de Direitos Humanos.

Fotos: Diego Silveira/Acervo Fundo Brasil.

Fotos: Diego Silveira/Acervo Fundo Brasil.