A organização, fundada por trabalhadores da categoria, alcançou um marco para os direitos do comércio ambulante na capital paulista, onde inaugurou uma sede e passa a atuar de forma organizada.
Amanda Camargo, coordenadora de projetos no Labora, participou do debate de inauguração da sede, em 16 de junho. O evento teve também, como painelistas, Margarida Ramos, coordenadora do MUCA-SP; Maria dos Camelôs (MUCA-RJ); a deputada federal Sâmia Bonfim (PSOL); a vereadora Luana Alves (PSOL); Benedito (Centro Gaspar Garcia DH); Laura Benevides (Dieese); e Vinícius Conceição Silva (DPESP). Anna Cecília Bonan (MUCA-RJ e RENAP-RJ) fez a mediação. A programação do lançamento oficial do MUCA-SP contou também com uma reunião de formação e planejamento com Luciana Itikawa (USP) e Maíra Vannuchi (StreetNet International).

Mesa de abertura da inauguração da sede, em 16 de junho de 2025, São Paulo. Créditos: MUCA-SP.
O MUCA conta com apoio do Labora – Fundo de Apoio ao Trabalho Digno desde 2023, sendo selecionado em 3 edições do edital Fortalecendo Trabalhadores Informais na Luta por Direitos (2023, 2024 e 2025). O movimento também utilizou recursos da linha MIPA, um apoio complementar para Mobilização, Incidência Política, Participação Popular e Articulação, voltado para ações específicas, à exemplo da manifestação da campanha #PazProsCamelôs.
Para a coordenadora do MUCA em São Paulo, Margarida Ramos, o movimento está preparado para os desafios. “Mesmo com poucos recursos e todas as dificuldades, sabemos que estamos prontos. Porque quando a injustiça bate na porta de um, é dever de todos responder”, afirma. “Já temos coordenadores locais, guerreiros que são referência de luta, e agora seremos uma força unida, do Rio a São Paulo, defendendo o direito mais básico de qualquer ser humano: o de trabalhar.”
Atualmente, o Movimento Unido dos Camelôs atua em duas frentes principais: fortalecer a mobilização da categoria em São Paulo e consolidar o Centro de Referência dos Camelôs e Trabalhadores Informais no Rio de Janeiro. O espaço, que opera como projeto piloto desde 2023 para oferecer melhores condições de trabalho, funciona como um polo para a organização política da categoria, sediando reuniões e eventos para articular suas demandas. Além da atuação política, o Centro oferece serviços essenciais, como acolhimento e encaminhamento para trabalhadores que buscam acesso a direitos, e promove projetos nas áreas de educação, saúde e cultura. O local também preserva a história da categoria, reunindo um acervo com documentos dos 21 anos de trajetória do movimento.
Violações sistemáticas
A coordenadora-geral do movimento, Maria dos Camelôs, explica que a expansão da luta é uma resposta à violência. “A necessidade dessa ampliação surge em resposta às constantes violências sofridas pela categoria, que atingiram seu ápice com o assassinato do nosso companheiro Ngagne Mbaye pelas mãos da polícia militar”, contextualiza. “Por isso, estamos unidos, fortalecendo redes e ampliando vozes em defesa do trabalho digno.”
A violência contra trabalhadores ambulantes não é um problema exclusivo do Rio de Janeiro, afirma o Movimento Unido dos Camelôs (MUCA). Segundo a organização, a situação em São Paulo (onde Ngagne Mbaye foi morto) é igualmente grave, com denúncias de violações sistemáticas contra a categoria, incluindo imigrantes e refugiados que dependem do comércio informal para sobreviver.
Para o movimento, esse cenário é um sintoma de problemas estruturais. A análise do MUCA aponta que políticas de austeridade e recentes reformas trabalhistas acentuaram a desigualdade social, empurrando um número crescente de pessoas para a informalidade. Nesse contexto, os ambulantes enfrentam uma dupla penalidade: além de serem vítimas de abusos por parte de agentes públicos, sofrem com a extrema precariedade, sem acesso a garantias trabalhistas ou à seguridade social. A organização denuncia que são tratados como uma “subclasse”, com direitos e cidadania negados.
É contra essa violência sistemática que o MUCA se posiciona. Com base nos mais de 20 anos de experiência acumulada nas lutas cotidianas do Rio de Janeiro, o movimento atua para intervir estrategicamente em defesa da categoria. A expansão para São Paulo representa, portanto, um passo fundamental para fortalecer essa rede de defesa e lutar pelo direito ao trabalho digno em novos territórios.
Centros de Referência
Por razões de segurança, o Movimento Unido dos Camelôs (MUCA) transferiu, recentemente, seu Centro de Referência no Rio de Janeiro. A mudança ocorreu após a descoberta de um conflito fundiário no imóvel original e o registro de ameaças contra a coordenadora geral, Maria dos Camelôs.
O novo espaço, localizado na Lapa, representa um avanço estratégico: ele unifica o Centro de Referência com a Ocupação Gilberto Domingos, outro projeto do MUCA que garante moradia a 38 famílias de trabalhadores. A integração dos serviços de apoio e do direito à habitação em um mesmo local é vista como um fortalecimento para a categoria.

Uma parte da equipe do MUCA RJ e SP. Créditos: MUCA-SP.
Esta realocação protege uma conquista importante, já que a criação do Centro foi assegurada por uma emenda na Lei Complementar n.o 264 (Reviver Centro 2) do Município do Rio de Janeiro, em 2023, que prevê a criação de Centros de Referência para o comércio ambulante. A aprovação da emenda foi resultado da Campanha Reviver Centro com os Camelôs, que discutiu a necessidade de regularização dos camelôs na cidade, bem como ofertas de moradia para a categoria e a criação de Centros de Referência.
A advogada popular do MUCA, Anna Cecília Faro Bonan, pondera que a luta vai além da lei. “A aprovação foi um passo fundamental, mas ainda lutamos pela plena implementação da política pública, que prevê o uso de imóveis abandonados para essa finalidade”, explica. “Até onde temos ciência, este ainda é o único centro de referência para camelôs na região central do Rio.”
O Centro de Referência do MUCA estabeleceu diversos projetos para as/os trabalhadores, como reforço escolar para os filhas/os de camelôs em parceria com o Movimento de Educação Popular Esperança Garcia, atendimento psicoterapêutico para camelôs em parceria com o Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), atendimento sócio-jurídico para camelôs em parceria com o NAJUP Luiza Mahin (UFRJ), além de eventos culturais, como a Batalha dos Camelôs (roda de rima), o Cine Debate dos Camelôs em parceria com o CineMovimentos, o Sarau dos Camelôs, entre outras. O espaço também passou a abrigar atividades de parceiros, abertas à participação dos camelôs, como os encontros do Núcleo de Mulheres da Escola de Teatro Popular e do Fórum Intersindical de Saúde.
Olhando para o futuro, o MUCA já planeja novas iniciativas no local, incluindo um projeto de formação de agentes multiplicadores de saúde, em parceria com o CESTEH da Fiocruz, e um pré-vestibular junto com o movimento de educação popular Emancipa, que serão lançados ainda em 2025.