
PARA TODOS VEREM: A imagem mostra em destaque centralizado os seguintes dizeres em letras garrafais verdes: Bacia do Rio Doce. No topo, Edital Promoção e Defesa de Direitos Humanos 2025. Ao fundo e centralizado, em tom preto e branco, há uma imagem de uma criança segurando um barco com mãos. A foto foi sobreposta ao mapa hidrográfico da Bacia do Rio Doce.
Vinte e uma organizações, sediadas em 13 diferentes municípios: o Fundo Brasil de Direitos Humanos divulga, na tarde desta sexta-feira (24), os grupos selecionados pelo Edital Promoção e Defesa dos Direitos Humanos na Bacia do Rio Doce – 2025. Cada proposta receberá até R$50 mil, que deverão financiar atividades ao longo dos próximos 12 meses. No total, serão destinados R$1 milhão em apoios. A lista completa das organizações contempladas está disponível abaixo.
A chamada pública – cuja primeira edição foi realizada em 2024 – tem por objetivo apoiar o trabalho realizado por instituições atuantes no enfrentamento de violações de direitos humanos, em suas múltiplas vertentes, nos municípios atingidos pelo rompimento da Barragem de Fundão, ocorrido em 2015.
O apoio é voltado para o fortalecimento institucional, permitindo que as organizações selecionadas tenham autonomia para decidir como melhor empregar o recurso, para a manutenção e continuidade de seu trabalho. A doação pode ser utilizada, por exemplo, para a formalização jurídica dos grupos.
No total, o Fundo Brasil recebeu propostas enviadas por 106 organizações. Os pedidos de apoio passaram pelo crivo de um comitê independente, formado por quatro especialistas no campo, a quem coube selecionar os 21 grupos contemplados: um a mais que o previsto originalmente. “Algumas organizações não pediram o valor máximo disponível para o apoio. Isso nos permitiu contemplar um grupo a mais do que o originalmente planejado”, explica Thainá Mamede, assessora de projetos do Fundo Brasil e responsável pelo edital.
Além da doação financeira direta, o apoio do Fundo Brasil também inclui momentos de formação e articulação com as organizações apoiadas, reuniões de monitoramento e o acompanhamento dos assessores de projetos.
| GRUPO/COLETIVO/ORGANIZAÇÃO | MUNICÍPIO |
| Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme) | Aracruz |
| Associação das Mulheres Guerreiras da Aldeia Irajá | Aracruz |
| Associação de Mulheres Jongueiras Quilombolas de São Cristovão | São Matues |
| Associação dos Agricultores Familiares de Alpercata (ADAFA) | Alpercata |
| Associação dos Carroceiros de Conselho Pena | Conselheiro Pena |
| Associação dos Moradores do Bairro Padre Antônio (ABPAN) | São Domingos do Prata |
| Associação dos Pescadores de Jacaraípe | Serra |
| Associação dos Quilombos e Grupos Afro-Brasileiros(as) do Município de São Domingos da Prata – MG | São Domingos do Prata |
| Associação dos Remanescentes Pury de Aimorés – ARIPA | Aimorés |
| Associação Indígena Burum Ererré – A.I.B.E | Resplendor |
| Associação Ponto de Memória de Matrizes Africanas do Linharinho – APOMALIN | Conceição da Barra |
| Associação Quilombola Gesteira – ASQG | Barra Longa |
| Central de Movimentos Populares do Vale do Aço – CMPVA | Ipatinga |
| Cia de Artes de Regência Augusta | Linhares |
| Coletivo de Direitos Humanos do MST Minas Gerais | Governador Valadares |
| Comunidade Quilombola e Tradicional de Povoação Rio Doce FOZ | Linhares |
| Conselho Pastoral dos Pescadores _ ES | Conceição da Barra |
| Grupo de Moradoras, Moradores e Agricultores e Agricultoras Familiares de Ilha Brava | Governador Valadares |
| Instituto Sapê | São Mateus |
| Movimento Camponês Popular – MG | Ipatinga |
| Ocupação de Itueta | Itueta |
Segunda edição
A realização de um segundo edital focado no mesmo território abriu ao Fundo Brasil uma oportunidade. Acostumado a apoiar organizações dispersas por todo o país, o Fundo teve a chance de acompanhar a evolução do território ao longo do tempo. “Olhando em retrospecto, o edital anterior nos permitiu ter um termômetro do campo. A continuidade do trabalho, agora, nos dá a chance de entender se o nosso trabalho trouxe boas respostas”, conta Ana Valéria Araújo, diretora executiva do Fundo Brasil. “Como na primeira edição, claro, a nossa intenção com essa chamada é apoiar os projetos que precisam ser apoiados, de modo a avançar nas pautas de defesa de direitos na região”.
No passado, o Fundo Brasil atuou na região, mas realizando um trabalho de natureza bastante distinta, que não envolvia o apoio direto a projetos e organizações. Para Gislene Aniceto, gerente geral do Fundo, poder retornar a esse campo por meio do edital é um privilégio. “É uma forma de nos fazer presentes numa região marcada por violações socioambientais. É recompensador”.
A continuidade do trabalho ainda garantiu que, nessa segunda edição, o edital tivesse maior capilaridade. Integrante do comitê independente de seleção, a cientista política Cristina Losekann — professora da Universidade Federal do Espíritos Santo — observou que essa segunda chamada atraiu propostas vindas de regiões que o edital anterior não alcançou.
Também integrante do comitê de seleção, o sociólogo Uvanderson Silva elogiou a opção do Fundo Brasil de se concentrar em apoios institucionais. Na avaliação dele, essa estratégia tem o poder de estimular a formação de novos atores associativos no território. Historicamente, ele explica, há três grandes polos que reúnem organizações associativas ao longo da bacia do Rio Doce: as cidades de Mariana, Ipatinga e Governador Valadares. “No intervalo entre essas cidades, costumava haver somente organizações conectadas a atividades profissionais, como associações de pescadores”.
A existência do edital parece ter estimulado mudanças nesse cenário. “Observamos a formação de outros tipos de associações, ou a reativação de redes antigas que estavam adormecidas. Indicador disso é a quantidade de projetos que pretendem regularizar associações”.
Melisanda Trentin, coordenadora da ONG Justiça Global e participante do comitê de seleção, reforça a impressão de Silva. “É louvável a iniciativa de centrar esforços no fortalecimento institucional. Algo importante no processo de reparação”.
Temas prioritários
Apesar de atuantes no mesmo territórios, as organizações contempladas pelo edital adotam uma gama variada de métodos de trabalho, e têm preocupações distintas.
Foram selecionados grupos que defendem os direitos das mulheres, de povos indígenas e comunidades tradicionais; que combatem as muitas formas de manifestação do racismo, entre elas o racismo ambiental; e que atuam contra as diversas formas de violência que atingem defensoras e defensores de direitos socioambientais.
Há, ainda, organizações que atuam para a promoção da saúde, fomentam a disseminação do uso de ferramentas estratégicas (tais como comunicação para maior visibilidade das lutas e incidência sobre mecanismos e espaços nacionais e internacionais de direitos humanos); que promovem a mobilização e formação para incidência em políticas públicas; e que atuam na defesa dos direitos da juventude.
Na avaliação do advogado Paulo Pankararu, que participou da seleção dos projetos, as propostas apresentadas têm ainda o mérito de traçar um panorama dos problemas enfrentados no território, e dos muitos caminhos encontrados pela sociedade civil local para superá-los. “As propostas contextualizam os impactos que comunidades e natureza sofreram com o rompimento da Barragem do Fundão, isso nos espaços rurais e urbanos. Essas organizações se empenham para retomar espaços coletivos de modo a garantir a qualidade de vida das comunidades”.
Desigualdades históricas e racismo ambiental no Rio Doce
Nos últimos anos, a situação dos direitos humanos na Bacia do Rio Doce tem se agravado diante de desastres ambientais e violações estruturais acumuladas ao longo do tempo. O rompimento da Barragem de Fundão, em Mariana/MG, em 2015, lançou mais de 43 milhões de metros cúbicos de lama na bacia hidrográfica, destruindo ecossistemas, comunidades inteiras e afetando profundamente a vida de milhares de pessoas em 46 municípios, além de terras indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais. Os impactos ambientais, sociais e econômicos, foram devastadores: aumento da pobreza, desemprego, exposição a metais pesados e crises de saúde mental marcaram a região. A contaminação e o trauma coletivo se somam a outras violações históricas que surgiram antes do rompimento da barragem e que também marcam a região de forma significativa. Nesse cenário, é importante destacar a força das mulheres quilombolas, indígenas e camponesas, que estão na linha de frente da resistência, mesmo que muitas vezes não sejam reconhecidas. É nesse contexto que o edital se insere para fortalecer quem já atua no território e enfrenta diariamente violações de direitos, racismo ambiental e ameaças à democracia. O apoio contempla projetos com foco estratégico na defesa de direitos, incidência em políticas públicas, visibilidade das lutas e atuação em rede.




























