Localizado em Capão da Canoa, há 118 km de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, o Centro Memorial de Matriz Africana 13 de Agosto funciona como uma espécie de museu da alma, para aqueles que almejam resgatar as lembranças e as raízes africanas.
Há 37 anos, Iyá Vera conduz o espaço como Ialorixá — o mesmo que mãe de santo — na consulta aos Orixás, deuses da religião Iorubá, para direcionar os filhos para o caminho certo. “Em 1985 quando meu Baba, Ivo de Ogum Onira D’Obí, me chama e diz ‘é hora de levar a sua Orixá para sua casa’, cumprindo essa tarefa, levei meus Orixás para minha casa, começando assim, um novo processo. Passei a desenvolver as práticas tradicionais e sua forma de existir”.
Memorial foi colocado no nome do espaço para seus frequentadores não se esquecerem de reverenciar a luta e a memória dos mais velhos e, principalmente, a história ancestral.
Mas, para além do apoio espiritual, da cura e da preservação da cultura africana, o Centro fundado por Iyá Vera mostra que os terreiros têm um papel mais amplo para seus frequentadores.
“Nós somos os primeiros a acolher aqueles que a sociedade insiste em ofender e machucar. Quantas vezes no terreiro fazemos o papel de educador, de médico, de psicólogo, de assistente social. Porque o terreiro é feito para acolher qualquer pessoa, sem qualquer tipo de discriminação. O terreiro tem missão muito maior, para além da religião. Nós sempre construímos política nestes espaços”, afirma Iyá Vera.
Diante das violências que estão ainda mais evidentes contra a população negra, o Centro Memorial trabalha para ampliar o conhecimento sobre as religiões de matrizes africanas e desmistificar a demonização, que é pregada contra os povos negros e sua cultura.
Com o objetivo de fortalecer institucionalmente esse trabalho, a organização precisava de recursos. Assim, o Centro Memorial de Matriz Africana 13 de Agosto recebeu o apoio do Fundo Brasil após ter seu projeto selecionado no Enfrentando o Racismo a Partir da Base.
“Esse recurso nos deu uma nova realidade, que foi de poder ampliar esse processo de formação para gerar conhecimento, aumentar a informação e mostrar o papel político que a casa tradicional tem”, detalha Iyá Vera.
Memória para o combate ao racismo religioso
Depredação, discriminação, incêndios, expulsão e outros tipos de violência contra os povos e terreiros de matrizes africanas aumentaram nos últimos anos.
Segundo relatório da Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras, lançado em novembro, dos 255 terreiros entrevistados em todo o país, 78% relataram que indivíduos de suas comunidades sofreram algum tipo de violência motivada por racismo religioso.
Para Iyá Vera, um crime que precisa ser analisado da forma correta. Ela alerta que o racismo religioso não pode ser visto como intolerância religiosa. São desafios diferentes. “Se o Brasil é um Estado constitucionalmente laico, ele precisa ser laico para brancos e negros. A gente sabe e acompanha diariamente o quanto as religiões de matrizes africanas sofrem mais. Isso é fruto do racismo. Por isso, os povos de terreiro precisam estar no debate sobre direitos humanos para enfrentar o racismo em todas as suas vertentes, dentre eles o racismo religioso”, desabafa.
Em 2021, com o apoio do edital do Fundo Brasil, o Centro Memorial de Matriz Africana 13 de Agosto realizou encontro de formação, educação ambiental para a população ribeirinha, pescadores, povos e comunidades tradicionais que habitam esses territórios localizados nos municípios praianos do litoral Norte (RS), a partir de reuniões, oficinas, seminários, fóruns e encontros para a expansão da teia legislativa e comunitária de defesa dos povos tradicionais de matriz africana.
“Quando existe alguém, como o Fundo Brasil, comprometido e se propõe a estar na luta com os povos tradicionais de Matriz Africana, e de todos os outros povos que trazem uma tradição, isso nos torna ainda mais fortes e resistentes”.
Os filhos do Centro Memorial têm o objetivo de ampliar o número de ativistas dos movimentos de defesa do meio ambiente, da biodiversidade, das ações políticas, culturais e sociais, que possibilitem a integração e a interação de afrobrasileiros em diversos segmentos da sociedade.
Além disso, o apoio também garantiu a formação profissional de jovens para sua inserção no mercado de trabalho. “E ainda conseguimos implantação de hortas, viveiros, cultivo de ervas e criação de animais em territórios da área rural dos municípios de Capão da Canoa e Porto Alegre. Nós priorizamos o meio ambiente, dizemos que nosso grande altar é a natureza, por isso também somos defensores dela”, explicou a Ialorixá.
O objetivo é promover a reeducação dessas comunidades resgatando saberes e práticas tradicionais e ancestrais. Atualmente, mais de 200 pessoas frequentam o Centro Memorial.
“Que outras unidades de matrizes africanas tenham um Fundo como esse para apoiá-las”, finaliza a Ialorixá Vera Soares.
Enfrentando o Racismo a partir da Base
Este ano, o edital Enfrentando o Racismo a partir da base chega a sua terceira edição. Desta vez, 24 grupos selecionados, de 15 estados brasileiros, receberão até R$ 50 mil cada.
Os recursos são de natureza flexível, o que significa que podem ser usados da forma como o grupo proponente considerar adequado para garantir a sustentabilidade de suas atividades de promoção e defesa de direitos humanos dentro da pauta do enfrentamento ao racismo.
O edital é realizado com apoio da Warner/Blavatinik Social Justice Fund. Para conhecer outros projetos apoiados pelo Fundo Brasil no enfrentamento ao racismo, clique aqui.
Além do edital específico, as organizações, grupos e coletivos da luta antirracista são apoiados pelo Fundo Brasil no âmbito de outros editais.