Uma iniciativa de 60 famílias e cerca de 290 indígenas Huni Kuin têm mudado a realidade do território localizado em Tarauacá, no interior do Acre. O objetivo é recuperar áreas degradadas na Colônia 27, considerada o menor território do povo na região Norte.
Mesmo pequena, a terra indígena carrega grandes marcas de devastação e de destruição, ocasionadas pela ação do homem. “Era uma área completamente sem verde e sem vida. A gente só via pasto pisado pelo gado. Desde que os primeiros moradores vieram para cá, há 50 anos, antes mesmo de ser demarcada, estamos tentando pensar em estratégias para recuperar a área e dar vida”, diz Same Pinuya, agente florestal da Colônia.
O projeto, criado pelos próprios moradores para recuperar os 305 hectares, recebeu o nome de Sistema Agroflorestal e combina o plantio de árvores com cultivos variados para consumo, comercialização e recuperação da natureza no local.
“O nosso sonho é voltar a viver rodeado pela floresta e isso vem acontecendo. A gente também tem aproveitado par trazer frutas que não existiam no território, como tangerina, laranja e o milho. Também estamos plantando magno e copaíba, para comercialização, mas sempre com cuidado. Reerguer nossa floresta é a prioridade”, explica Same Pinuya.
Mais de 100 hectares já foram reflorestados. No último ano, as atividades receberam o apoio do Fundo Brasil de Direitos Humanos, por intermédio do edital Em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas, no âmbito da Aliança entre Fundos. O trabalho servirá como piloto a outros territórios indígenas para reflorestamento e ampliação de mudas de espécies importantes para a vida.
“O Fundo Brasil permitiu que a gente comprasse o material para o nosso trabalho, as ferramentas e nos permitiu criar o viveiro para produção de muda. O Fundo Brasil foi quem garantiu o fortalecimento da nossa comunidade”.
O olhar da comunidade em cada etapa
Em todo o trabalho, os Huni Kuin são chamados para as decisões e toda a comunidade coloca a mão na massa. Desde a criação de mudas até a produção de itens para a comercialização. De acordo com o Siã Huni Kuin, coordenador do projeto, ao gerar renda, garantir a alimentação e a preservação do território, o sistema leva o bem-viver para a comunidade.
“O nosso trabalho é sempre feito de forma coletiva. Já combinamos entre nós que a comunidade deve fazer parte de todo o processo. Essa é a forma como trabalhamos não só para esse projeto, mas como mantemos nossas tradições. É importante também para todos, os jovens, os velhos, para que cada um valorize cada passo do que alcançamos”.
Outra etapa do projeto envolve os jovens e as crianças. A finalidade é prepará-los para serem agentes ambientais indígenas. Eles apoiam no mapeamento das espécies de árvores e plantas que estão chegando na região para montar outros viveiros e distribuir as mudas pela comunidade.
“Nós mostramos para eles que mudas são como crianças, que precisam de cuidado e atenção para que possam florescer e dar bons frutos. Essa também é uma forma de mantê-los perto da nossa ancestralidade e de recuperar nossos costumes. Com o projeto, praticamos diariamente os conhecimentos tradicionais, fortalecemos nossa comunidade e resgatamos nossas origens, como a nossa medicina tradicional”, ressalta Siã Huni Kuin.
Segundo os indígenas, a comunidade vem desenvolvendo um pouco de tudo e, para além da floresta, eles estão conseguindo voltar a ter a pesca e a caça. “A ideia é fortalecer cada vez mais e garantir a cultura viva e forte para que as futuras gerações possam caminhar com essa mesma missão de expandir o verde por aqui. Queremos que lá na frente, o desmatamento já não seja mais um desafio que eles tenham que enfrentar. Esperamos que eles possam usufruir e respeitar esse pedaço de natureza”, reforça Siã Huni.
Para o coordenador do projeto, além de garantira sobrevivência dos indígenas, o Sistema Agroflorestal fortaleceu a sustentabilidade para que novos projetos possam surgir, a fim de atender a outras demandas da comunidade indígena.
“O nosso primeiro passo é produzir para nos alimentar. Tudo o que não é consumido pela aldeia, a gente vende, principalmente o peixe, o milho, o açaí, que produzimos bastante. Essa renda tem nos ajudado a comprar novos instrumentos de trabalho. Além de ampliar e aperfeiçoar nossas ações para enfrentar outros desafios da comunidade, como pensar na formação e na educação dos nossos jovens”, finaliza.
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