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Gizele Martins, 32 anos, é comunicadora comunitária, jornalista e integrante do Fórum de Juventudes RJ, apoiado pelo Fundo Brasil de Direitos Humanos.
Minha família veio da Paraíba para o Rio de Janeiro, em busca da cidade maravilhosa. Mas acabaram encontrando a Maré. Uma família enorme, de trabalhadores precarizados. Minha avó trabalhou a vida inteira como faxineira e empregada doméstica. Meu pai, como pescador. Perdi minha mãe aos 14 anos. Ela deixou cinco filhos, e eu sou a mais velha.
Nasci na Baixa do Sapateiro, uma das favelas mais antigas do Complexo da Maré. Cresci na mesma rua, a 17 de fevereiro, onde vivi até pouco tempo atrás. Minhas lembranças da infância estão ligadas a essa rua, onde brinquei com amigos, com vizinhos e com a minha família, que ainda mora lá. Hoje, moro em outra favela, a 20 minutos dessa rua: o Morro do Timbau, que é a primeira favela do Complexo da Maré.
Estudei minha vida inteira em escola pública. Primeiro, no Ciep Elis Regina, que fica aqui bem próximo de casa. Foi a melhor escola que frequentei. Ficava lá das 7h30 até as 17h. Tinha bastante lanche, comida boa, quadra de esporte, lugar para brincar, biblioteca, cinemateca. E nós tínhamos horário para dormir, para estudar, para se organizar e para cuidar da escola, de maneira coletiva.
Depois, estudei em outras escolas. No final do ensino médio, fiquei sem cinco professores. E, por indicação de uma amiga, acabei procurando um cursinho pré-vestibular. Eu não sabia muito bem o que era o pré-vestibular. Só entendi quando comecei a frequentar. E foi ali que surgiu um sonho: de fazer faculdade.
Mas eu não sabia muito bem o que cursar. Conhecia o Jornal Cidadão, que circula na maré há 20 anos e é um dos jornais mais antigos de uma favela aqui no Rio de Janeiro. Acabei me apaixonando pela comunicação comunitária. E aí sonhei fazer jornalismo.
Foram três anos e meio de estudo até que eu passei, por cotas, em Letras na UERJ. E também passei, com bolsa, para jornalismo na PUC-Rio.
Escolhi ir para a PUC. Foi a realização de um grande sonho, atravessar a cidade para estudar. Da minha casa até a PUC, são 2h30, 3h de trânsito. E foi difícil conviver com pessoas tão diferentes de mim. Na aula, eu era a primeira a chegar. Sempre perguntava, participava, me preocupava em ler o material. Por conta mesmo da minha dificuldade com a escrita, a leitura, em entender as técnicas de jornalismo.
Muitas vezes, quando se falava de favela em sala de aula, eu levantava o dedo e dizia: ‘não, favela não é isso. É muito mais que a linha editorial da segurança pública ou da página policial’.
Eu briguei muito na faculdade. Até que, no meu 7º período, eu fiz uma matéria sobre MST, ocupação indígena, ocupação rural e ocupação sem teto, pra falar da minha experiência, da minha realidade. Falando do direito que a gente não tem. E explicando como são importantes esses movimentos.
Aí uma professora me chamou de criminosa. Disse que ‘certa aluna que escreveu sobre o direito à moradia era criminosa’. E que, com o diploma renomado da PUC-RJ, eu merecia uma cadeia de luxo. Esse foi um momento muito ruim pra mim. Mas eu tive muito apoio, dos movimentos sociais, das pessoas.
Depois de seis meses, eu voltei para a PUC. Para estudar, fazer minha monografia e pegar o meu diploma. Eu não queria mais estar ali. Mas eu tinha um sonho, e eu precisava terminar minha faculdade. Não era ela, aquela professora, que iria me impedir de me formar.
Voltei, estudei. E fui lá receber meu diploma. Eu estava feliz. E muito emocionada de conseguir o meu diploma.
Aí, comecei a trabalhar com comunicação comunitária. Eu já trabalhava desde muito cedo, porque tinha que cuidar dos meus irmãos. Fui atendente de telemarketing, dei aula em casa, me virei. Porque éramos muitos irmãos. E eu tinha que ajudar a minha avó a manter a casa.
Pela comunicação comunitária, comecei a circular as favelas, a circular outros estados do Brasil, a circular o mundo. Para falar de favela, de juventude. Para falar sobre racismo, sobre machismo, sobre ocupações, sobre o direito à moradia. Circulei pelas favelas do Rio de Janeiro para falar sobre megaeventos, sobre direitos humanos. E para fazer cursos de comunicação comunitária, para fazer TV comunitária, rádio comunitária e jornais comunitários. Para fazer nascerem mídias comunitárias por aí.
Foi nessa época que conheci o Fórum de Juventudes. Nós, juventudes de mais de 20, 30 favelas, juntos. Fazendo aplicativos para denunciar as faltas de direitos. O Fórum de Juventudes me apresentou a cartografia, feita por nós mesmos, a pesquisa, feita por nós mesmos. Me mostrou que a gente tinha muito conteúdo e que a gente precisava trocar esses conteúdos. E me ajudou, com a juventude, a plantar e a construir sonhos, coletivamente.
E na construção desses sonhos, a gente conheceu o Fundo Brasil de Direitos Humanos. Que apoia as cartografias, esses cursos. E ter esse apoio é extremamente importante para projetos como os nossos, editais como os nossos, que vêm da favela, de um lugar que não recebe apoio. Porque o Fórum de Juventudes faz uma diferença enorme na questão racial e da militarização da vida. É ele que vem pautando hoje, com outros grupos, esse tema dentro e fora das favelas. E é aí que está a importância enorme: discutir dentro, e discutir fora estrategicamente também.
Para o futuro, a ideia é continuar esse trabalho, voltado para direitos humanos, com a pauta da democratização da comunicação, a pauta racial, a pauta da segurança pública. Não só da Maré ou do Rio de Janeiro. Mas da Maré para o mundo. E do mundo para a Maré, comparando nossas faltas de direitos.
E há uma importância enorme de termos mulheres nessa linha de frente. Mulheres negras, empobrecidas, faveladas nessa luta pela defesa pelos direitos humanos. É obvio que não é uma tarefa muito fácil. Tem o machismo de cada dia, tem o racismo de cada dia. Estar na linha de frente disso é extremamente difícil. Mas é extremamente importante.
Depoimento: Gizele Martins
2018 com todos os direitos
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